UTILIZAÇÃO DO FILME “PANTERA NEGRA”
(2018) COMO RECURSO DIDÁTICO: RELATO DE EXPERIÊNCIA
As correntes que
teorizam a história como sendo uma construção, e que também envolve as questões
de ensinar e aprender, realizaram formulações sobre a construção da História
como conhecimento escolar (ABUD, 2003). Pode-se perceber nessas mudanças as
reformulações e proposições de novas práticas pedagógicas, objetivando
aprimorar as práticas de ensino e a dinâmica em sala de aula.
“É necessário que
se destaque a introdução e a permanência, nos documentos curriculares, de
orientações sobre o uso das novas linguagens, a despeito da inércia da
organização escolar no sentido de consolidá-las como práticas cotidianas.”
[ABUD, 2003, p.185]
Neste processo de
transformações e aproximação constante das mídias sociais, o ambiente escolar
mostra sua afinidade com essas mudanças ao buscar aplicar em seu cotidiano os
recursos didáticos. Estes, por sua vez, auxiliam no processo de aprendizagem,
podendo possibilitar ao educador uma abordagem diferente referente aos
conteúdos obrigatórios, permitindo uma nova interação dos alunos com os
assuntos abordados em sala.
Partindo da
perspectiva de que os recursos didáticos são mecanismos facilitadores para a
aplicação de conteúdos, fora proposto uma aula utilizando o filme “Pantera
Negra (2018)” referente ao conteúdo de “Reinos e Impérios Africanos” para
alunos de 7° ano.
Considerando que este tema é pouco ou brevemente
abordado, optou-se por discutir as questões referente à diversidade do
território africano, seus climas, vegetações, ramos linguísticos e as relações
comerciais no continente durante os século VI e XV. Objetivando assim,
compreender a África como um continente amplo e múltiplo, não só pelas questões
geográficas, mas também em relação à diversidade social dos povos que habitaram
suas regiões no período em questão.
O objetivo da utilização do filme “Pantera Negra”
(2018) como recurso didático é, principalmente, incentivar a reflexão dos
estudantes a respeito da influência das antigas culturas africanas na grande
mídia, como é o caso das inspirações dessa produção cinematográfica. Para isto,
selecionamos quatro trechos da película para reproduzirmos em sala de aula: a
origem do reino de Wakanda; a chegada no território de Wakanda; Eric Killmonger
em um museu inglês; a coroação de T’Challa como rei de Wakanda e Pantera Negra.
Todas essas cenas foram apresentadas no início da aula, pedindo para que os
alunos ficassem atentos ao visual de Wakanda: sua arquitetura, sua geografia e
os figurinos que representam a diversidade de povos que viviam na região. Para
discutirmos questões relacionadas às histórias de reinos, impérios e culturas
da África entre os séculos VI e XV, então, voltamos a reproduzir os trechos
após uma contextualização histórica.
A primeira questão a ser tratada na aula foi a
respeito dos aspectos geográficos do território africano e sua proporção
continental. Com o auxílio da projeção de mapas referente ao clima, a
vegetação, o relevo e os recursos minerais da África, indicamos aos estudantes
como as zonas climática e os meios naturais foram fatores que fortemente
influenciaram a fixação e a atividade humana ao longo do território, mas
evidenciado que não se trata de um fato determinista (DIARRA, 2010). Também
tratamos de apresentar que os povos africanos tiveram contato entre si e com as
populações de outros continentes (ibid), visando que os alunos construíssem uma
percepção de que a África vai muito além do contato com o europeu no período
das grandes navegações, por exemplo. Logo, fora aplicado o conteúdo de forma
que a África seja a protagonista de sua própria história
Após a explicação do contexto geográfico,
mostramos novamente o trecho sobre a origem de Wakanda. A questão, então, é
entender em que medida a realidade geográfica africana influenciou a construção
fantástica do reino de Wakanda. Como professores, buscamos mediar tal
compreensão a partir de perguntas. “Por que vocês acham que os produtores do
filme escolheram a África como o local onde estaria o vibranium [metal fictício mais precioso da Terra]?”, e, como
esperado, os estudantes responderam
relacionando o enredo do filme com a riqueza mineral, cultural e étnica do
continente africano. Também foi questionada se "faz sentido Wakanda ser
criada como o país mais rico do mundo se pensarmos os antecedentes históricos
do continente africano em geral?". Essa questão foi recebida com bastante
hesitação pelos alunos, por não a entenderem ou, talvez, por não estarem
conseguindo associar com o conteúdo histórico. Porém, a pergunta fora mediada,
com o objetivo de incitar o pensamento de associação da riqueza de Wakanda com
a fortuna do antigo imperador do Mali, Mansa Musa, que é considerado a pessoa
mais rica da história.
Após a compreensão geográfica, lecionamos a
respeito dos reinos e impérios africanos propriamente ditos. Nesse momento da
aula, consideramos importante a explicação do que é uma tribo, um reino e um
império para que os estudantes tenham em perspectiva a diferença entre essas
estruturas políticas. Nesse tópicos, seguimos a orientação do livro didático
para tratarmos a respeito do Reino de Gana, do Império Mali, do Império Songai,
do Reino do Congo e dos reinos iorubás. Apresentamos o contexto político de
cada um desses povos e buscamos destacar suas produções culturais,
principalmente artísticas. Neste sentido, projetamos fotografias de patrimônios
históricos dessas civilizações, como construções arquitetônicas e máscaras, e
imagens, algumas históricas, outras ilustrativas, de itens cotidianos dessa
população, como vestuário e objetos.
O propósito deste
artigo não é desenvolver o contexto histórico de cada uma dessas civilizações
africanas, visto que cada docente tem a capacidade de se informar sobre a
história desses povos. Mas destacamos que o livro “História geral da África,
volume IV: África do século XII ao XVI” (2010), editado por editado por Djibril
Tamsir Niane para o projeto da UNESCO, aborda profundamente o contexto do
continente africano, sendo essencial para o planejamento de nossa aula.
Tendo esse visual cultural dos povos africanos
lecionados em perspectiva, reproduzimos, então, os outros três trechos do filme
“Pantera Negra” (2018). Apresentamos novamente a cena da chegada em Wakanda, pedindo
para que os estudantes ficassem atenciosos ao cenário. Perguntamos, então:
"O que as construções de Wakanda lembram vocês?" e "Vocês acham
que essas arquiteturas produzidas no filme têm inspiração nas construções de
antigas civilizações africanas?". Nossa expectativa era que os alunos
relacionassem o que assistiram com as imagens projetadas de construções
africanas.
Em seguida, reproduzimos o trecho da coroação de
T'Challa, o Pantera Negra, como o rei de Wakanda. Aqui, foi requisitado para
que os alunos se atentarem aos povos que habitavam Wakanda, suas funções e seus
vestuários. Logo, incentivamos as reflexões dos alunos e alunas com questões:
"O que vocês pensam da diversidade cultural na própria Wakanda?",
"Vocês notam alguma influência das culturas africanas ensinadas nesses
povos de Wakanda?", "Essa situação de um povo estar no centro da
estrutura política, enquanto outros povos se encontram em situação subalterna,
lembram vocês de outro reino ou império africano?".
Esperávamos que os estudantes retomassem as
imagens que foram projetadas anteriormente e apontassem a relação do filme com
elas. Visto que a temática da aula eram os territórios e culturas africanas
entre os séculos VI e XV, decidimos não explorar a influência de outras
civilizações posteriores para no visual da produção cinematográfica. A questão
da estrutura política também foi recebida com receios de respostas. Por se
tratar de uma questão de contexto político, decidimos retomar o funcionamento
da política do Reino de Gana e seus sobados e, então, perguntamos novamente se
eles conseguiam ver influências dessa estrutura política no que foi apresentado
pelo filme. Tendo sido novamente explicado, os estudantes conseguiram associar
a questão.
Por fim, reproduzimos a cena de Killmonger, o
antagonista do filme, na seção de cultura africana em um museu fictício na
Inglaterra. Perguntamos, então: "Quais podiam ser às funções das máscaras
nas culturas africanas?", para que eles relembrassem do conteúdo
lecionado; "Vocês sabiam que existem museus com seções e artefatos
históricos como esses aqui no Brasil?", para saber se eles já tiveram
contato com patrimônios históricos da cultura africana e incentivar o desejo
por visitação de museus; "Killmonger afirmou que esses artefatos exibidos
em museus foram roubados dos povos africanos. O que vocês pensam dessa
afirmação?", visando um debate mediado sobre a apropriação dos itens
africanos pelos europeus.
Após toda a sessão expositiva, aplicamos uma
atividade de pesquisa, onde os alunos deveriam escolher algum reino ou império
e realizar uma pesquisa, em casa, sobre o mesmo. Com esta pesquisa, objetivamos
incitar a busca por conteúdos que vão além do livro didático, além da produção
textual no formato de resumo sobre o reino ou império escolhido.
Consideramos que esta aula, tendo o filme
“Pantera Negra” (2018) como recurso didático e mediando uma associação da
película com conteúdos históricos, fora bem recebida pelos alunos, que se
mostraram animados e participativos em diversos momentos da aula. Mesmo que a
utilização de filmes em sala não seja constante para eles, percebemos um bom
acolhimento e maturidade ao assistir as partes selecionadas e comentar sobre
elas. Também consideramos a pesquisa bem efetuada, visto que a grande maioria a
realizou e que este tipo de atividade e produção de um texto não é de constante
aplicação pelos demais professores.
Gabrielle
Legnaghi de Almeida é graduanda em História (Licenciatura) pela Universidade
Estadual de Maringá.
Murilo Tavares
Modesto é graduando em História (Licenciatura) pela Universidade Estadual de
Maringá.
ABUD, Katia. A
construção de uma Didática da História: algumas idéias sobre a utilização de
filmes no ensino. História, v. 22,
n. 1, p. 183-193, 2003.
DIARRA, S.
Geografia histórica: aspectos físicos. In: KI-ZERBO, J. (ed.). História Geral da África, vol. I:
Metodologia e pré‑história da África. Brasília: UNESCO, 2010.
NIANI, Djibril
Tamsir (ed.). História geral da África,
vol. IV: África do século XII ao XVI. Brasília: UNESCO, 2010.
Parabéns pelo trabalho, Gabrielle e Murilo. Achei muito interessante o relato e acho que a escolha do filme Pantera Negra foi acertada, uma vez que é uma obra de grande relevância e que costuma gerar bastante interesse do público. Minha questão para vocês é a seguinte: como fazer a associação entre uma obra fictícia, que apresenta uma civilização imaginada, e a realidade histórica? Houve alguma dificuldade de compreensão, por parte dos alunos, de que o filme é uma obra apenas inspirada na realidade, uma ferramenta ilustrativa para o debate? Em muitos casos, quando professores trabalham filmes em sala de aula, costumam trabalhar com documentários ou obras inspiradas em acontecimentos reais. Para vocês, houve algum desafio adicional ao trabalhar com uma obra de ficção? Agradeço pela atenção e novamente parabenizo vocês pelo trabalho.
ResponderExcluirAtenciosamente,
Anderson Pereira Antunes
Obrigado pelo comentário, Anderson. Sobre a associação da ficção com a realidade, precisamos compreender que toda invenção tem aspectos do real, pois é de onde parte a inspiração. Colocando as imagens de fotos de fontes dos reinos e impérios africanos lado a lado com as cenas do filme "Pantera Negra", percebemos frequentemente que os estudantes se mostravam surpresos e sinalizavam positivamente sobre a questão das influências históricas na ficção de Wakanda. A respeito dos desafios, foi justamente a necessidade de indicar que a ficção busca aporte da realidade para a criação que se tornou um dos focos da aula, principalmente no que diz respeito a historicidade, algo que se mostrou sem grandes dificuldades de compreensão por parte dos estudantes.
ExcluirAtenciosamente,
Murilo Tavares Modesto.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirDeve-se distinguir a linha entre ficção e os reais problemas sociais. O uso deste recurso em sala facilita o entendimento do aluno, e aproxima-o do objeto de estudo, possibilitando novas abordagens. Julgo necessário a orientação do professor para estas questões, visto que o aluno ainda nao possui, por definição, a criticidade necessária para avaliar e distinguir o filme como objeto de estudo, realidade ou recurso para a aprendizagem, o que evidencia o professor no papel de mediador.
ResponderExcluirPrezad@s, em primeiro lugar, parabéns pelo texto e pela construção da aula descrita! Nota-se o esmero quanto ao uso didático do cinema, desde a seleção de cenas especificas ao diálogo com outras (e diversificadas) fontes. Observei nas referências que são graduandos. Partindo dessa observação, gostaria que explicitassem o contexto no qual realizaram a aula e os desafios para implementá-la. Pensam em utilizar outros filmes de ficção (não históricos) em futuras aulas? Sugerem alguns títulos? Desde já, agradeço. Att.
ResponderExcluirPAULO JOSÉ ASSUMPÇÃO DOS SANTOS
Obrigado pelo comentário, Paulo. O contexto de realização da aula foi o de regência de estágio em nosso terceiro ano da graduação. O desafio principal da implementação dessa aula foi o suporte técnico da sala de aula, visto que tivemos vários problemas com o projetor do colégio. Mas também, se tratando da uma regência, foi um desafio propôr uma aula que envolvesse o filme para uma turma que não estava acostumada com tal dinâmica com a professora titular, mas felizmente os estudantes conseguiram participar. No contexto atual de quarto ano da graduação e ainda sem a programação de nossos estágios curriculares, não temos em perspectiva nenhuma didática envolvendo filme que podemos sugerir para outros conteúdos.
ExcluirMurilo Tavares Modesto.
Grato pela resposta. Se precisarem de uma referência sobre o uso de filmes de super-heróis nas aulas de História, indico a dissertação "Super-heróis e Ensino de História, um guia visual: sugestões didáticas para o uso de filmes da Marvel e DC na sala de aula". Está disponível no portal EduCAPES. Sucesso na vida acadêmica de vocês! Att.
ExcluirPAULO JOSÉ ASSUMPÇÃO DOS SANTOS
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirPrimeiramente parabenizo os autores pelo trabalho realizado. É sempre muito interessante tratar de questões históricas por meio dessas representações que o cinema produz, atentando-se para a análise dos discursos que são evidenciados.
A minha questão diz respeito ao contexto atual dos alunos diante do filme e do conteúdo estudado. Qual a percepção dos autores quanto ao que, possivelmente, esta atividade tenha dialogado com o cotidiano dos alunos de algum modo? Ou que relações, se foi possível identificar, os alunos estabeleceram entre o que foi trabalhado na atividade e suas experiências cotidianas dentro e fora do ambiente escolar?
Rafael Souza Ferreira
Obrigado pelo comentário, Rafael. No início do estágio com a turma, fizemos um questionários sobre os interesses midiáticos daqueles estudantes e, a respeito do universo cinematográfico, muitos apresentaram estar interessados em filmes de super-heroís. Foi justamente com esse interesse em perspectiva que tivemos a ideia de trabalhar um filme da Marvel como recurso didático, para que eles compreendessem que os blockbusters estão, sim, envolvidos com referências históricas. Após a aula não tivemos retorno se eles tentaram buscar as inspirações históricas em outros filmes que eventualmente assistiram, mas foi algo que buscamos incentivar com a proposta da aula.
ExcluirMurilo Tavares Modesto
O Processo evolutivo dos recursos didáticos utilizadas nas escolas vem contribuindo bastante para que o professor possa trabalhar de maneira mais didática em sala de aula. Acho extremamente interessante a utilização de filmes no processo de ensino, mas levando em conta que esse trabalho foi realizado em uma turma de 7 ano (fundamental 2), como você aplicaria/trabalharia filmes de teor históricos para turmas do fundamental 1? Teria algum exemplo de filme e temática a ser abordada em mente?
ResponderExcluirRayra Torquato de Lima
Obrigado pelo comentário, Rayna. Acreditamos que a mesma proposta pode ser aplicada para outras turmas do fundamental, visto o crescente interesse das crianças por filmes de super-heróis. Quando o filme é aplicado em sala de aula, independente do estágio escolar, o interessante é pensar quais as referências históricas e quais os interesses da película em tratar tais questões. No momento, não estamos com nossos cronogramas de estágios definidos, então ainda não temos em perspectiva nenhum filme para trabalhar como recurso didático em outro conteúdo.
ExcluirMurilo Tavares Modesto