SEQUÊNCIA
DIDÁTICA: MEMÓRIAS DA REPRESSÃO AOS GRUPOS SOCIAIS PELA DITADURA CIVIL-MILITAR
A proposta deste artigo é a análise crítica
da elaboração de uma sequência didática realizada durante a aula de História
ministrada para 4 diferentes turmas de 3 ano do ensino médio, no ano de 2016.
Esta experiência contabilizou um conjunto de mais de 100 alunos do Colégio
Estadual Comendador Valentim dos Santos Diniz, na cidade de São Gonçalo, Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, onde atuo como professor de História. Entendo
a sala de aula não como um lugar da prática somente, mas da prática e pesquisa,
local de reflexão por excelência e produção de conhecimento [LIBÂNEO, 2006 e PIMENTA
e LIMA, 2004].
O experimento se estendeu por três encontros,
elaborado da seguinte forma: a explicação da conjuntura histórica da Ditadura
Civil-Militar no Brasil para o a instrumentalização dos alunos sobre a temática
da aula; divisão da turma em grupos de alunos para abordagem das memórias dos movimentos
sociais e seus conflitos mediante ao governo ditador; a apresentação dos discentes.
O
Planejamento:
Segundo José Carlos Libâneo [2006] a
escola deve oferecer aos alunos os conhecimentos sistematizados que contribuam
para o desenvolvimento intelectual, além de aplicáveis na vida prática. No
tocante a esta questão, o papel do planejamento das aulas de História é de suma
importância:
“Pois é uma tarefa docente que
inclui a previsão das atividades didáticas em termos de sua organização e
coordenação em face dos objetivos propostos, além de revisão e reorganização no
decorrer do processo de ensino. O planejamento é um meio para programar as
atividades docentes, além de ser um momento de realização de pesquisa e
reflexão diretamente ligada à avaliação.” [LIBÂNEO, 2006, p.221]
O exercício da sequência didática é
entendido como instrumento de pesquisa [ROCHA, 2015] por se estabelecer através
de um “processo de racionalização, organização e coordenação da ação docente,
articulando a atividade escolar e a problemática social” [LIBÂNEO, 2006:222].
Neste sentido, é importante ressaltar que o planejamento esteja alicerçado em
fundamentos teóricos que amparem as atividades práticas, e que dialogue com a
realidade social da comunidade escolar [LIBÂNEO, 2006].
Neste quesito, o planejamento da
sequência didática pode assumir o caráter de pesquisa muito próximo à categoria
analítica de Donald Schön: “professor-prático-reflexivo” [1992]. Segundo Schön,
a formação do professor não se opera em momentos distintos – primeiro com a
formação teórica e depois a experiência prática –, mas sim no diálogo entre a
prática e a teoria. Ao refletir sobre as ações pedagógicas no cotidiano
escolar, o professor desenvolve um exercício investigativo que irá
caracterizá-lo como produtor de conhecimentos e práticas sobre o ensino,
extrapolando a visão simplista do especialista técnico que apenas reproduz os
conhecimentos acadêmicos [MONTEIRO, 2007].
No campo do ensino de História, Jörn
Rüsen [2001] fornece-nos duas categorias analíticas cruciais para
compreendermos a aprendizagem da História: a consciência histórica que seria “a
soma das operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência
de evolução no tempo de seu mundo e de si mesmos, de forma tal que possam
orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo.” [RÜSEN, 2001, p.57] e a
cultura histórica que pode ser compreendida como a elaboração e a prática da
consciência histórica na vida social.
A partir das funções da cultura
histórica em determinadas sociedades, Rüsen apresenta três dimensões
principais: estética, política e a cognitiva. A dimensão estética refere-se às
criações artísticas voltadas para utilização da história nos romances e as
novelas. A dimensão política legitima o discurso de dominação do poder e serve
de orientação para a vida prática do sujeito. Finalmente, a dimensão cognitiva
da cultura histórica está relacionada à sua metodologia como ciência histórica.
Rüsen identifica que, com o processo
de especialização da História como ciência no século XIX, houve uma separação
de quem pesquisa e de quem ensina. Para o mesmo autor, a consolidação da
História como cadeira acadêmica excluiu a didática da História do centro do
debate da profissão de historiador, provocando a separação do ensino da
História de sua pesquisa. Durante o processo da cientificização da disciplina o
ensino passou a ser visto como atividade de menor valor, mera reprodução do
conhecimento acadêmico, com a finalidade de cumprir normas curriculares no
processo de escolarização de cada sociedade. Segundo Rüsen, a tarefa da
didática da História era transmitir este conhecimento sem participar do
processo de produção do discurso. Este deslocamento deixou um vazio entre a
disciplina e a necessidade social de orientação da vida dentro da estrutura
temporal. Este mesmo vazio foi direcionando a problemática da didática da
História para as teorias educacionais e não mais dos historiadores.
Luiz Fernando Cerri [2011] aponta
para as possibilidades contidas nos aparatos teóricos metodológicos de Jörn Rüsen,
nas potencialidades de uma disciplina científica que se ocupe com a
aprendizagem da História: a Didática Histórica. Este campo possibilitaria uma
mudança de paradigma do ensino para a aprendizagem da História. Buscando
afirmar-se como uma disciplina que se ocupe com a formação, os conteúdos e os
efeitos da consciência histórica. Em um diálogo direto com Paulo Freire, Cerri
enfatiza que o papel do professor de história não é falar ao alunado sobre a
nossa visão de mundo, ou tentar impô-la, mas propor um diálogo democrático entre
as mais diversas sabedorias. Compreendendo o corpo discente como um grupo
social detentor de experiências e conhecimentos, nas palavras de Paulo Freire,
“a ação educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico dessa
situação, sobe a pena de se fazer “bancária” ou de pregar no deserto”. [FREIRE,
1987, p.49].
A
Experiência em Sala de Aula:
As primeiras aulas foram utilizadas
para instrumentalizar os alunos com os conceitos históricos necessários para a
compreensão do conteúdo: A Ditadura Civil-Militar. A própria noção de “civil”
foi utilizada no sentido de revelar a presença de amplos segmentos da população
brasileira que apoiaram os militares no golpe realizado em 1964 [REIS, 2000]. A
apresentação desta perspectiva histórica é de suma importância para o
entendimento das posturas de repressão de Estado diante das mulheres, negros,
gays e moradores de periferia.
A segunda aula foi utilizada para a
explicação do trabalho avaliativo, divisão dos grupos e realização da pesquisa
auxiliada pelo professor. A organização dos alunos foi feita através da
apresentação da perspectiva de quatro movimentos sociais: os Moradores de
Periferia; os Negros; as Mulheres; LGBT. Essa divisão proporcionou para os
discentes a oportunidade de optarem de acordo com suas identidades culturais
[HALL,2002]. Os grupos reivindicavam os recortes através da manifestação de
seus próprios interesses, esse movimento se deu através da curiosidade de como
os gays, mulheres, negros e moradores de periferia sofreram com e com quais
tipos de repressão durante o período da Ditadura Civil-Militar. Este foi o
caminho escolhido para atender aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS),
onde as identidades destes grupos manifestam-se em contraponto a narrativa da identidade
nacional, visando operar com um ensino de História mais democrático.
Logo em seguida, foi entregue aos
alunos um conjunto de jornais – “Verdades Reveladas” números de 1 a 5 – elaborados
pela equipe da “Comissão da Verdade Relatório Rio de Janeiro, 2015”. O material
apresentava aos leitores recortes dos resultados das pesquisas, além de relatos
de vítimas do governo. As matérias eram expostas junto a dados gráficos e
fotografias com a finalidade de aproximar o aluno da realidade histórica, através
de uma fonte presente no cotidiano: o jornal impresso. No total são cinco
jornais com oito páginas cada, as matérias são expostas através de textos
formais, mas com uma escrita fluida, visando tornar-se atraente para
apresentação do relatório de 2015 para o grande público.
A
Avaliação:
Os grupos de alunos realizaram
leitura coletiva e grifaram as partes mais significativas para cada um dos
componentes, a ideia principal da avaliação foi a aproximação das memórias dos
grupos sociais – vítimas do período da Ditadura Civil-Militar – com a vida dos
alunos. A questão principal da apresentação era: “Se você fizesse parte deste
grupo social no período da Ditadura Civil-Militar, o que poderia ter ocorrido
contigo?”.
Esta proposta avaliativa foi a forma
elaborada para relacionar as questões das violências ocorridas no período
histórico e que poderiam proporcionar perigo aos indivíduos que se
identificassem com cada uma dessas causas. A avaliação utilizada aqui é muito
mais do que um exame quantitativo, é um elemento crucial para contribuir com o
desenvolvimento cognitivo do alunado sobre o conteúdo. A organização do
trabalho em grupo propõe para indivíduo um exercício de empatia e alteridade,
proporcionando um esforço de leitura de mundo através da questão: “se eu/nós
pertencesse/mos a esse grupo social, quais as violências de Estado que eu
estaria submetido?”.
É importante ressaltar que, para
Libâneo, a consolidação dos conhecimentos está inter-relacionada com a
experiência social do alunado com sua família, no meio social e no trabalho.
Levando em consideração a motivação dos alunos, a sequência didática sugerida
visou os interesses destes mediante a temática da Repressão Movimentos Sociais
pelo governo ditatorial Civil-Militar. Os movimentos sociais foram divididos em
quatro grandes blocos: Negro; Feminista; Moradores de Favela e LGBT (o título
LGBT foi escolhido, pois é assim que se encontra no jornal de número 3).
Havia outras temáticas como
repressão nos campos ou aos trabalhadores urbanos, mas os alunos optaram por
trabalhar apenas com os quatro movimentos apresentados. A escolha dos quatro
pontos em detrimento dos demais é bastante reveladora, pois as temáticas sobre as
causas LGBT, Negra, Feministas, de moradores de favela aproximam-se mais da realidade
e dos interesses do alunado. No momento em que o tema do trabalho era “o que
aconteceria contigo se você pertencesse a algum desses movimentos no Governo
Civil Militar?”, os alunos preferiram adentrar em suas demandas pessoais de
jovens, mulheres, negros e gays moradores de periferia da Região Metropolitana
do Estado do Rio de Janeiro.
Cipriano Luckesi [2008] nos alerta
que as práticas avaliativas escolares tradicionais estão mais próximas das
provas e exames que visam verificar o desempenho do educando em determinado
conteúdo e classificando-o como aprovado e reprovado, revelando-se como uma
prática seletiva. Luckesi propõe a avaliação da aprendizagem como um ato
amoroso compreendendo e acolhendo as experiências, ações e atos dos discentes:
“Defino a avaliação da aprendizagem
como um ato amoroso, no sentido de que a avaliação, por si, é um ato acolhedor,
integrativo e inclusivo. Para compreender isso, importa distinguir a avaliação
do julgamento. O julgamento é um ato que distingui o certo do errado, incluindo
o primeiro e excluindo o segundo. A avaliação tem por base acolher uma
situação, para então (só então), ajuizar sua qualidade, tendo em vista dar-lhe
suporte de mudança, se necessário. A avaliação, como um ato diagnóstico, tem
por objetivo a inclusão e não a exclusão; a inclusão e não a seleção (que
obrigatoriamente conduz à exclusão).” [LUCKESI, 2008, p. 172-173].
A avaliação diagnóstica proposta
nesta sequência didática é a possibilidade de inclusão dos indivíduos através
do compartilhamento de memórias de vítimas do governo ditatorial para o acionamento
da consciência histórica, relacionando estas com a realidade social daquela
comunidade escolar. Atender as demandas dos jovens em relação aos temas que os
interessavam diante do conteúdo – Ditadura Civil-Militar – foi a minha
estratégia como professor de História.
A avaliação utilizada na sequência
didática é o elemento principal desta prática de ensino de História. Não
podemos pensar o desenvolvimento deste processo de internalização dos conceitos
e conteúdos sem o encadeamento da consciência crítica do aluno. Aproximo-me
aqui da noção de leitura de mundo para Paulo Freire, onde o pedagogo enfatiza a
experiência vivida pelo sujeito em seu processo de alfabetização. Podemos
realizar este mesmo paralelo com o processo de leitura de mundo dentro dos
conceitos históricos, pois:
“Este movimento dinâmico é um dos
aspectos centrais, para mim, do processo de alfabetização. Daí que sempre tenha
insistido em que as palavras com que organizar o programa da alfabetização
deveriam vir do universo vocabular dos grupos populares, expressando a sua real
linguagem, os seus anseios, as suas inquietações, as suas reivindicações, os
seus sonhos. Deveriam vir carregadas da significação de sua experiência
existencial e não da experiência do educador. A pesquisa do que chamava
universo vocabular nos dava assim as palavras do Povo, grávidas de mundo. Elas
nos vinham através da leitura do mundo que os grupos populares faziam. Depois,
voltavam a eles, inseridas no que chamava e chamo de codificações, que são
representações da realidade.” [FREIRE, 1989, p.13]
Neste aspecto esta avaliação contribui
para a elaboração da memória histórica do discente operando com as chaves da
consciência histórica, tal como na fala de Maria Auxiliadora Schmidt e Tânia
Maria Braga Garcia:
“a consciência histórica dá à vida
uma “concepção do curso do tempo”, trata do passado como experiência e “revela
o tecido da mudança temporal no qual estão amarradas as nossas vidas, bem como
as experiências futuras para as quais se dirigem as mudanças” (RÜSEN, 1992, p.
29). Essa concepção molda os valores morais a um “corpo temporal”,
transformando esses valores em “totalidades temporais”, isto é, recupera a
historicidade dos valores e a possibilidade dos sujeitos problematizarem a si
próprios e procurarem respostas nas relações entre passado/presente/futuro.
[...] Assim, segundo Rüsen (1992; 2001), a consciência histórica relaciona
“ser” (identidade) e “dever” (ação) em uma narrativa significativa que toma os
acontecimentos do passado com o objetivo de dar identidade aos sujeitos a
partir de suas experiências individuais e coletivas e de tornar inteligível o
seu presente, conferindo uma expectativa futura a essa atividade atual.”
[SCHMIDT e GARCIA, 2005, p.301].
A sequência didática proposta
contribui para a formação da memória histórica do sujeito, revelando a “função
prática” da consciência histórica, segundo Rüsen [2001]. O indivíduo precisa
operar com as experiências do homem no tempo para poder compreender sua
realidade e direcionar suas ações no cotidiano atravessadas pela memória
histórica.
“O
que aconteceria contigo se você pertencesse a algum desses movimentos no
Governo Civil Militar?”
Apresentarei aqui, na medida das
limitações deste artigo, um recorte das falas mais significativas dos grupos de
alunos. Por mais que o trabalho tenha sido realizado em 4 diferentes turmas, as
indignações e expectativas dos discentes convergiam sobre a mesma temática
dentro dos recortes de jornais.
Movimento
Negro:
1: O governo da Ditadura ficava
monitorando e chegou a invadir o Instituto de Pesquisas das Culturas Negras
(IPCN). O texto disse que nessa época eles eram vistos como perigosos porque
denunciavam o racismo cotidiano! Se eu fosse ligado a um grupo desses, eu
poderia ser perseguido pelo governo.
2: Se hoje a polícia (Polícia Militar
do Rio de Janeiro) já age de forma racista, perseguindo e matando os negros,
imagina em uma época que ninguém podia se manifestar nas ruas, pois eram vistos
como “subversivos”. Eu não tinha noção do quanto era perigoso combater o
racismo nessa época (refere-se as décadas de 60-70)!
Movimento
LGBT:
3:
Em nome da “moral e
dos bons costumes” o governo ditatorial encaixava a homossexualidade como
práticas subversivas! Isso é um absurdo! O Estado utilizava a “ideologia de
segurança nacional” da Guerra Fria para combater práticas que eram vistas
contra a moralidade! Dessa forma, perseguiram mulheres, gays, negros e todos
aqueles que não eram tidos como “normais”!
4:
Teve um caso de um
jornalista (Antônio Chrysóstomo) que ficou preso durante dois anos por causa do
preconceito de um juiz que comparou homossexualidade a pedofilia, sem nenhuma
prova, somente por preconceito! Podia acontecer com qualquer um de nós que não
se enquadrasse na noção de normalidade daquela época!
Movimento
Feminista:
5: Eu estou muito triste por tudo o
que li aqui. Eu não tinha a mínima ideia que uma mulher (Maria Helena Guimarães
Pereira), só por tentar ingressar na vida política, se posicionando contra os
abusos do governo poderia passar o que ela passou. Os militares utilizavam
várias técnicas de tortura para esterilizar as mulheres, eles diziam que era
uma forma de “impedir a reprodução biológica do inimigo comunista”.
6:
Haviam aulas de
tortura nos corpos das mulheres presas, elas eram chamadas de terrorista pelo
Estado. Mas o mais horrendo nisso era que havia aulas, tipo, com professor,
alunos e tudo o mais! Eu não consigo acreditar, mas os relatos das duas
mulheres (testemunhos da historiadora Dulce Pandolfi e da cineasta Lucia Mura)
mostram o quanto era terrível a Ditadura. Se eu fosse estudante da área de
Ciências Humanas, porque eu gosto dessas matérias, e se eu questionasse os
abusos do governo, eu não sei o que poderia acontecer comigo.
Movimento
dos Moradores de Periferia:
7:
Houve um processo
de remoção dos moradores de favela na década de 70, uma ação desumana que
colocou mais de 100 mil pessoas nas ruas, como diz aqui nos relatos. Para
evitar estas ações injustas do governo, os moradores fizeram Associações de
Moradores e plebiscitos, mas a Ditadura invadiu as associações, invalidou os
plebiscitos e prendeu os líderes comunitários. Eu sou morador de periferia, numa situação dessas... eu iria pra
rua... sem poder fazer absolutamente nada!
8:
Aqui no jornal
mostra que tiveram muitos incêndios criminosos dentro das favelas para expulsar
os moradores, batidas da polícia nos bailes de favela, prisões de moradores da
periferia que frequentavam as praias da Zona Sul (da cidade do Rio de Janeiro).
Isso não é muito diferente do que acontece nos dias de hoje.
No momento em que trabalhamos com a
realidade social do aluno e sua leitura de mundo, os movimentos sociais
escolhidos atuam como elementos catalizadores dessa memória histórica construtora
de identidades, dando significado ao período histórico escolhido. As narrativas
dos movimentos sociais sobre as suas resistências e as violências de Estado,
ocorridas na Ditadura Civil-Militar, proporcionam uma noção de construção
identitária que interligam passado, presente e expectativas futuras. Essas
ações são comprovadas nas falas dos grupos de alunos, quando estes se percebem
como alvos potenciais destes tipos de abusos de autoridade do Estado. Em
algumas das falas, pode-se perceber a continuidade das violências de governo
legadas pelo período ditatorial.
No recorte apresentado, a memória
histórica dos movimentos sociais não se encerra em uma narrativa do passado,
mas uma história de lutas que atravessa o presente e perpetuam-se em
expectativas futuras de combate contras as desigualdades sociais, de etnia e
gênero.
MATÉRIA: História
PROFESSOR: Luiz Gustavo Mendel Souza
SÉRIE: 3° ano do Ensino Médio
Sequência
didática:
Tema: Memória das Ditaduras Civil
Militares do Brasil Republicano
Objetivo Geral:
Compreender a memória do tempo presente como um local de disputa contínua. Para
isto, serão utilizadas, como objetos de análise, as memórias da Ditadura Civil
Militar, tendo como referencial o material fornecido pela Comissão da Verdade.
N°
de Aulas
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Conteúdos
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Conteúdos
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2
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• Ditadura Civil-Militar
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• Conversa inicial.
• Exposição didática.
• Indicação de leitura dos materiais
paradidáticos.
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2
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• Comissão Estadual da Verdade do Rio de
Janeiro.
• Movimentos Sociais e a Repressão
|
• Conversa inicial sobre as primeiras impressões
do material indicado.
• Explicação do que é Comissão da
Verdade.
• Separação de grupos para abordagem do
tema: “Se você fizesse parte deste grupo social no período da Ditadura
Civil-Militar, o que poderia ter ocorrido contigo?”.
|
2
|
• Comissão Estadual da Verdade do Rio de
Janeiro.
• Movimentos Sociais e a Repressão
|
• Apresentação dos grupos sobre o tema:
“Se você fizesse parte deste grupo social no período da Ditadura
Civil-Militar, o que poderia ter ocorrido contigo?”.
|
Sequência
Didática de Luiz Gustavo Mendel Souza
Referências:
Luiz
Gustavo Mendel Souza é professor Assistente da Universidade Federal Fluminense
e professor de História da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro.
CERRI,
Luís Fernando. Ensino de História e
consciência histórica: implicações didáticas de uma discussão contemporânea.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.
FREIRE,
Paulo. A importância do ato de ler: em
três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989.
_____________.
Pedagogia do Oprimido. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987.
HALL,
Stuart. A identidade cultural na
pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
LIBANEO,
José Carlos. DIDÁTICA. São Paulo:
Editora Cortez, 2006.
LUCKESI,
Cipriano. Avaliação da Aprendizagem
Escolar: estudos e proposições. São Paulo: Cortez, 2008.
MONTEIRO,
Ana Maria Ferreira da Costa. Professores
de História: entre saberes e práticas. Rio de Janeiro, Editora Mauad, 2007.
PIMENTA,
Selma G. & LIMA, Maria Socorro L. Estágio
e Docência. São Paulo: Cortez Editora, 2004.
REIS,
Daniel Aarão. Ditadura Militar, esquerdas
e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zarrar, 2000.
RIO
DE JANEIRO (Estado). Comissão da Verdade
do Rio. Relatório / Comissão da Verdade
do Rio. – Rio de Janeiro: CEV-Rio, 2015. Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/geral/relatorio-final-da-comissao-da-verdade-do-estado-do-rio-de-janeiro/
ROCHA,
Helenice. AULA DE HISTÓRIA: Evento, Ideia
e Escrita. História & Ensino, Londrina, v. 21, n. 2, p. 83-103,
jul./dez. 2015
SCHMIDT,
Maria Auxiliadora Moreira dos Santos; GARCIA, Tânia Maria F. Braga. A
FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA HISTÓRICA DE ALUNOS E PROFESSORES E O COTIDIANO EM
AULAS DE HISTÓRIA. Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 297-308,
set./dez. 2005
Percebi no seu estudo a predominância de realidades que no passado perduraram: o abuso as comunidades (expulsões, repressões, etc.). Queria saber no andamento do trabalho em sala de aula, se houve alunos que negaram tal realidade, mesmo com as evidências históricas? Se houve alguma vez relate-nos – se possível. No meu Estado tal conteúdo continua sendo uma grande polêmica. A ditadura Civil-Militar persiste um assunto dúbio nas salas de aula – como na maioria do país.
ResponderExcluirJadson da Silva Bernardo.
Primeiramente, muito obrigado por sua contribuição Jadson da Silva Bernardo. O trabalho foi desenvolvido em cima da fala de alguns alunos que atribuíam um caráter positivo às memórias da Ditadura. O que realizei foi trazer a possibilidade de entendimento do aluno através de sua realidade periférica e urbana. No tocante à esta questão não houve negação, mas uma confluência de experiências vividas entre os alunos e os personagens históricos presentes nas fontes históricas. E o mais marcante foi a sensação de perplexidade dos alunos ao se projetarem nesta realidade histórica desumana. Além de trazerem a discussão de que tais ações arbitrárias de Estado ainda se fazem presentes nas periferias das grandes cidades. Se fosse buscar algo próximo de uma negação por parte dos alunos, estaria na escolha dos grupos abordados, nenhum se interessou pela repressão aos movimentos nos campos e poucos se interessaram pela repressão ao movimento trabalhista. O que diz muito do perfil de jovens de periferia da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro que ainda não se inseriram no mercado de trabalho.
ExcluirObrigado pela resposta, bastante esclarecedor e importante a prática docente com um assunto tão importante e atual. No meu Estado, o Acre, os assuntos sobre esse período histórico são na maioria dos casos dúbios, ou mesmo acelerados, isto é, pouco aborda-se. Quando abordados existe-se a sensação de negação - seja por alunos e até por docentes - quando identificados com a sua segunda profissão – o militarismo - e a influência do poder das redes sociais. Ou também, o professor evita no máximo qualquer confrontação. Aqui é resultado da própria política local, onde seus representantes tiveram parentes no passado alinhados com o regime, pois por ser um Estado pequeno, o político e a população acabam misturando-se...
ExcluirAbraços
Jadson da Silva Bernardo
Estimado Jadson da Silva Bernardo,
ExcluirSe o professor tiver interesse em adquirir estes materiais, eu posso encaminhá-los por e-mail. Havia um site da Comissão da Verdade do Estado do Rio de Janeiro, mas o mesmo encontra-se desativado. Por sorte eu tive acesso aos materiais e posso fornecê-los. Meu e-mail é luizgmendel@gmail.com.
Bom dia Luiz.
ResponderExcluirGostei muito desse seu texto, pois além de ser tema que pesquiso, foi objeto de meu estagio supervisionado.
No estagio fiquei indeciso sobre como avaliar, se dava enfase a Educação Moral e Cívica - que pesquiso - ou vestibular. Não havia pensado nessa forma de relacionar com a realidade social do aluno, que parece muito interessante. Acabei optando pelo vestibular, pois no meu entender estava relacionado com a necessidade dos alunos naquele momento, já que eram alunos do 3º Ano e desejavam entrar na faculdade.
Gostaria de saber mais sobre essa possibilidade de relacionar com o cotidiano dos alunos, na sua opinião: eles participam mais da aula? Não pensou em dar atenção especial para o vestibular? Dá pra relacionar o cotidiano do aluno com períodos mais distantes da História? Tem alguma indicação de leitura especifica para História de como instrumentalizar essa relação do conteúdo com os alunos?
Como professor de primeira viagem agradeço desde já,
Gustavo Josué Simoni Paes
A resposta segue abaixo.
ExcluirEstimado professor Gustavo Josué Simoni Paes,
ResponderExcluirAgradeço muito sua contribuição através de sua leitura e questionamentos. Respondendo as suas questões:
1) sim, houve uma intensa participação dentro da aula, já que a dinâmica de exploração de fontes e exposição oral da experiência de vida dos alunos foi um mecanismo que proporcionou uma troca dialógica entre o professor (eu) e o aluno. Eu, sinceramente, não esperava estes resultados, muito menos o impacto da auto-identificação dos alunos com os personagens históricos.
2) Sobre a questão do vestibular, as quatro turmas que apliquei a sequência didática eram do 3 ano do Ensino Médio, a grande maioria estava inscrita em pré-vestibulares e preparatórios comunitários, o que proporcionava a cada um deles uma bagagem extra de conteúdos e fundamentação para seus argumentos. O interesse na realização do vestibular também proporcionou uma maturidade e uma entrega maior, por parte da turma, para a realização da avaliação.
3) Sobre a possibilidade de aproximação do cotidiano do aluno com períodos mais distantes da História, eu acredito que as obras elaboradas pelos intelectuais ligados à Nova História e a Nova Esquerda Britânica trazem mecanismos interessantes para sobre uma abordagem da história pelo viés cultural. Que foi o que eu propus na sequência didática, o caso do "Movimento LGBT", por exemplo, foi uma exploração dos casos de arbitrariedade do governo ditatorial sobre a moralidade e o controle sobre os usos do corpo no espaço público. No tocante a este quesito as vertentes históricas apontadas trazem tais questões para a Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea. Exemplo: Carlo Ginzburg em "O Queijo e os Vermes" explora o cotidiano de um moleiro friulano processado pela Santa Inquisição no século XVI. Ou o "Grande Massacre dos Gatos" de Robert Darton, em seu capítulo intitulado "Histórias que os camponeses contam: o significado de mamãe ganço" traz as narrativas violentas dos contos "infantis" que revelava muito sobre o "universo mental dos camponeses" do século XVIII. São narrativas que mexem com a curiosidade e o imaginário dos alunos que corrobora muito para o desenvolver da exposição da aula.
4) Indicações sobre instrumentalização, eu trabalho com o conceito de "Consciência Histórica" e "Cultura Histórica" pela perspectiva de Jörn Rüsen, no Brasil a Maria Auxiliadora Schmidt também tem trabalhos muito bons neste campo do ensino de História. Segue abaixo três textos e livros, facilmente encontrados em sites de busca.
SCHMIDIT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. Cultura Histórica, Ensino e Aprendizagem de História: questões e possibilidades. In: Carla Mary S. Oliveira; Serioja Rodrigues Cordeiro Mariano. Cultura Histórica e Ensino de História. João Pessoa: Editora da UFPB, 2014
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de
Rezende (Org.). Jörn Rüsen e o Ensino de História. Curitiba: Editora da UFPR, 2011.
RÜSEN, Jörn. Razão histórica. Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica.
Tradução de Estevão de Rezende Martins. Brasília: Ed. UNB, 2001, 194p.
Espero que eu tenha lhe respondido e contribuído em sua jornada, que também é a minha.
Caro Luiz Gustavo, seu texto é instigante, sobretudo pela proposta pedagógica e a aplicação em sala de aula. A bibliografia utilizada associada a temática desenvolvida com os alunos deu ainda mais peso ao seu texto. Até porque não é sempre que podemos ler um artigo que articula autores da teoria histórica com autores da teoria da avaliação, por exemplo. A minha questão é muito pontual, o que te motivou a realizar essa atividade? Porque você escolheu esses eixos: movimento negro, movimento lgbt, movimento feminista e moradores de periferia?
ResponderExcluirDesde já agradeço e mais uma vez parabéns pelo trabalho.
Estimada professora Debora Simões,
ExcluirAgradeço pela leitura e contribuição. A motivação inicial foi a circulação de "memes" ("viralização" ou popularização de imagens e vídeos nas redes sociais) nas redes sociais produzidos a partir da queda de um trecho da Ciclovia Tim Maia no Rio de Janeiro, no início de 2016. Estes "memes" relacionavam as obras públicas do "Governo Militar de 64" (Ex.: Ponte Presidente Costa e Silva) e as obras do "Governo Democrático" (Ex.: Ciclovia Tim Maia). Eu presenciei a fala de alguns alunos nas salas de aula sobre este e outros "memes" que me fizeram imaginar uma forma de abordagem sobre a Ditadura Militar para além da perseguição aos comunistas. Por mais que os livros didáticos oferecessem exemplos de jornalistas e intelectuais que foram perseguidos, tais modelos ainda se distanciavam da realidade de alunos moradores da zona periférica da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. Quando tive acesso ao material da Comissão da Verdade Relatório Rio de Janeiro 2015, eu vi a possibilidade de aproximação das identidades dos personagens históricos ao corpo de alunos. Essa foi a minha trajetória na elaboração desta sequência didática.
Grato.