Jorgeana Roberta Alcântara Teixeira e Júlia Canella da Silva


RELATO DE EXPERIÊNCIA: PRÁTICAS DOCENTES E FEMINISMOS


Introdução
O presente artigo tem como objetivo apresentar um relato de experiência referente a atuação de alunas graduandas no curso de História da Universidade Federal de Juiz de Fora, na disciplina de Estágio Supervisionado II, tendo como foco a observação e interação com os educandos, bem como o planejamento e execução das três aulas avaliativas que correspondiam a aprovação na disciplina. Compreendendo o estágio como a primeira experiência prática que marca a formação de professores iniciantes, tal relato se justifica pela socialização de vivencias, apreensões, planejamentos, tentativas, erros e êxitos que nos constituem enquanto profissionais docentes em constante formação e transformação.

“Assim, entendemos o estágio como um campo de conhecimento que envolve estudos, análise, problematização, reflexão e proposição de soluções para o ensinar e o aprender, e que compreende a reflexão sobre as práticas pedagógicas, o trabalho docente e as práticas institucionais, situadas em contextos sociais, históricos e culturais. Nesse sentido, caracteriza-se como mediação entre os professores formadores, os estudantes em curso e os professores das escolas. ” (SANTOS et al. 2015, p. 3)

Temos como objetivo relatar nossa experiência pessoal, com intuito de contribuir para reflexão de outros graduandos a respeito do estágio enquanto iniciação a prática docente, bem como as possibilidades de abordagem de temas polêmicos como, por exemplo, o feminismo e as questões de gênero como tensões presentes no cotidiano do espaço escolar.

Neste contexto, iniciaremos com a apresentação do espaço físico da escola em que o estágio foi realizado, bem como os sujeitos que dele participaram a começar pelas graduandas, passando pelo professor cujas aulas foram observadas, bem como a turma para a qual demos aula. Em seguida, trataremos dos temas abordados em nossas aulas e das justificativas para nossa escolha, da forma como planejamos e elaboramos nosso plano de aula, e, por fim, nossa experiência pratica com a aplicação do conteúdo em sala. Ao final deste artigo apresentaremos nossas conclusões finais sobre a experiência do estágio e a iniciação a prática que este nos permitiu.

A escola e seus sujeitos ativos
A escola escolhida para a prática de observação do estágio foi o Colégio de Aplicação João XXIII, instituição federal de ensino sob comando e administração da UFJF, que recebe grande parte de seus estagiários em cursos de licenciatura e projetos de extensão de cunho socioeducativos. A escola funciona em três turnos abrangendo desde o primeiro segmento do Ensino Fundamental até o Ensino Médio, além da Educação de Jovens e Adultos. Nos segmentos de Ensino Fundamental e Médio o colégio conta com três turmas de cada ano, tendo assim um grande número de alunos e um extenso corpo docente, contando com mais de um professor para cada disciplina. Se tratando dos professores de história temos cinco sujeitos, duas mulheres e um homem, enquanto estagiários nos foi dada a opção de escolha de acordo com a metodologia de ensino usada por cada professor, seus horários de trabalho na escola, e as turmas para as quais cada um lecionava, desde que cada professor se encarregasse de, no máximo, dez estagiários por vez.

A coordenação pedagógica da escola, assim como professores e alunos, já está habituada a rotina e a movimentação intensa de estagiários em todos os turnos e turmas, fazendo com que nossa integração ao dia a dia da escola seja naturalizada. Assim como a universidade o colégio é mantido pelo repasse de verbas federais, o que permite que sua estrutura seja completa a atualizada contando com diversos laboratórios, uma biblioteca bastante diversificada, salas de aula equipadas com computador, data show e acesso à internet, bem como diversos projetos pedagógicos que abrangem todas as áreas de ensino em diferentes contextos de aprendizagem e prática, permitindo assim uma interessante experiência de como a educação pública de qualidade deveria ser ofertada para todos.

No estágio em questão acompanhamos um dos professores de história com larga experiência na educação básica, atuando há mais de dez anos, que regia aulas para uma turma de 9º ano do Ensino Fundamental e para as três turmas de 2º ano do Ensino Médio. Por afinidade com o conteúdo programático da turma e com seus alunos, optamos por concentrar nossas observações e atividades práticas na turma do Ensino Fundamental, visto que esta trabalhava temas mais atuais e polêmicos, onde o professor sempre abria espaço para discussões e debates entre os alunos. Outro ponto importante a ser ressaltado é que o estágio foi realizado ao longo de todo ano de 2018, desta forma os temas sensíveis sempre permearam as aulas desta turma, que debatia sempre com muito interesse sobre os governos republicanos no Brasil, a ditadura civil-militar e, como o tema de maior embate e tensão, as eleições de 2018 e a polarização política do país.

Pode parecer curioso que alunos ainda tão novos, entre 14 e 16 anos, se interessassem tanto por questões políticas, entretanto, o contexto que vivemos em 2018 parece não ter poupado a nenhum de nós o envolvimento direto em tais questões. Ainda que muitos não fossem votantes seus familiares, amigos e a presença constante das redes sociais em suas vidas, faziam com que tais questões fervilhassem em quase todas as aulas. O professor que acompanhamos, por sua vez, sempre se mostrou muito aberto e receptivo a debates, discussões e questões levantadas pelos alunos, fazendo com que os mesmos sempre se interessassem pelas aulas de história. Dessa forma foi, em alguma medida, uma atitude natural que em nossas aulas escolhêssemos também tratar de temas históricos sensíveis, dando aos alunos espaço para o debate e a reflexão, características essenciais não só para o ensino de história, mas para qualquer disciplina e professor que pretenda formas alunos críticos e cidadãos conscientes.

Enquanto graduandas do curso de História, na modalidade licenciatura, nosso contato com disciplinas ligadas à área da educação tem início já no segundo período, havendo por vezes algumas atividades práticas no ambiente escolar, mas que ainda não se tornam sistemáticas, possuindo diversos objetivos pedagógicos. É somente a partir do sétimo período que o estágio escolar com carga horária semanal se torna obrigatório, sendo necessário que se cumpra 100 horas por semestre, divididas entre observação e prática em sala de aula. Entretanto, ambas pendemos para discussões voltadas a educação desde o início do curso, participando de grupos de pesquisa e obtendo por fim financiamento para a mesma através de bolsas de iniciação científica e extensão na Faculdade de Educação da Universidade. Dessa forma, a afinidade e o desejo de atuar futuramente como professoras de história na educação básica podem ser citados como fatores que contribuíram para uma experiência de estágio extremamente positiva.  

Iniciação à prática docente
A disciplina de Estágio Supervisionado II como um todo se volta ao debate das limitações e possibilidades da experiência prática, sendo assim, a primeira atividade exigida ainda no início do semestre se constitui pela elaboração de um plano de aula de acordo com o modelo apresentado pelo professor da disciplina. Este exerce um papel fundamental para as ainda inexperientes graduandas, que passam a compreender melhor a necessidade do planejamento das aulas como um todo, desde o tema escolhido às fontes trabalhadas, os suportes utilizados, os objetivos que se espera alcançar e as atividades nas quais o conteúdo pode se desdobrar posteriormente.

Enquanto executamos as atividades relativas ao plano de aula a ser apresentado pela disciplina, no estágio passamos pela fase da observação participante, a qual pode ser definida como:

“O pesquisador coloca-se numa postura de identificação com os pesquisados. Passa a interagir com eles em todas as situações, acompanhando todas as ações praticadas pelos sujeitos. Observando as manifestações dos sujeitos e as situações vividas, vai registrando descritivamente todos os elementos observados bem como as análises e considerações que fizer ao longo desta participação. ” (SEVERINO, 2007 p. 120)

O registro das atividades executadas pelo professor em sala era facultativo, entretanto a observação sistêmica de sua metodologia de trabalho, interação com a turma e envolvimento dos alunos, se mostrou essencial para definirmos nossa temática de aula, pois somente conhecendo os sujeitos com os quais trabalharíamos se tornou possível planejar atividades específicas para a turma em questão.

No contexto de convivência com os alunos em sala de aula foi possível perceber que estes além de sempre muito envolvidos nos temas atuais trazidos pelo professor, tinham preferência pelos debates de questões políticas, perpassando muitas vezes, ainda que não de forma intencional, discussões de gênero que nasciam de situações cotidianas da sala de aula. Ao perceber tais características, bem como marcando os dias em que daríamos nossas três aulas, decidimos que a temática a ser tratada deveria partir de seu cotidiano, sendo escolhida a história do movimento feminista no Brasil e a participação política das mulheres.

Partindo de uma perspectiva feminista da história e da educação, objetivamos com nossa aula não só a compreensão política e histórica do feminismo enquanto movimento, como também a percepção de mulheres enquanto sujeitos ativos no curso da história.
“O modelo feminista de educação propõe um conjunto de estratégias e procedimentos que rompe com a lógica de que o saber se encontra apenas naquele que é fonte de autoridade e transmissor único de conhecimento. Propõe, então, a valorização de várias vozes, sendo o diálogo sua dinâmica problematizadora, no qual todas e todos são igualmente falantes e ouvintes, capazes de expressar diferentes saberes. ” (SANTOS; BOMFIM, 2010, p. 2)

Após escolhermos o tema passamos a pesquisar de que forma este seria abordado, quais fontes poderíamos citar e os suportes ilustrativos que sustentariam os debates em aula, categorias estas exigidas pelo modelo de plano de aula seguido. Na primeira aula foi abordado o contexto de surgimento do movimento feminista no mundo, citando suas precursoras e de que forma este surge e se desenvolve, a segunda aula parte da disseminação do movimento no Brasil, tendo como grande marco temporal a conquista do direito ao voto feminino no século XX, o terceiro momento foi reservado a atividade na qual propusemos aos alunos um debate em grupo sobre as formas de desigualdades vividas pelos mesmos dentro do espaço escolar e em seu cotidiano em geral.

Durante a primeira aula o nível de interação dos alunos com o tema não foi tão intenso de modo geral, grande parte das meninas da turma demonstraram algum interesse, porém, a grande dificuldade que já prevíamos era conseguir envolver os meninos na temática de forma a leva-los a compreender a importância de debater o tema, que apesar de parecer, não diz respeito somente as mulheres, mas sim ao exercício de nossa cidadania no convívio social, respeitando e defendendo o direito de todos de maneira igualitária. Em nosso segundo encontro e, principalmente, no decorrer da atividade de debate, foi possível notar cada vez mais interação dos alunos com o tema, estes começaram a levantar diversas dúvidas e questões, que chegaram por vezes a gerar pequenos conflitos em sala quando trouxemos a discussão para as relações de gênero dentro da escola.

No momento da atividade alcançamos nosso objetivo final, fazer com que os alunos percebessem o tema não como uma discussão histórica ausente de significado prático em suas vidas, ao citarem relações conflitantes e desiguais no espaço escolar puderam relacionar tais ações com o tema trabalhado, compreendendo o significado e a importância de movimentos políticos e sociais como o feminismo em pequenas ações cotidianas da mesma forma como percebemos em grandes acontecimentos como a conquista de direitos fundamentais. Apesar de menos envolvidos em comparação as meninas, os meninos da turma acabaram participando ativamente do debate tanto em defesa dos outros colegas como em concordância com opiniões contrárias, levando esse momento a possibilidade de reflexão sobre suas próprias atitudes e práticas.

A utilização de suportes como vídeos e imagens se mostrou essencial para o planejamento da aula, através destes os alunos se mostraram mais interessados e imersos no conteúdo. Entretanto, é importante ressaltar o valor de diferentes suportes não somente como ilustrações, mas também como base para debates e reflexões, fazendo com que o aluno perceba aspectos essências como o contexto em que o material foi produzido, quem o produziu, a que público ele se destina e qual mensagem parece transmitir. Tais questionamentos se tornam essenciais para o desenvolvimento da capacidade de análise de fontes, tão importante no contexto do ensino de história.

Considerações Finais
A socialização da experiência de estágio aqui relatada surge de uma necessidade de debate e diálogo de experiências pessoais que se compartilham entre diversos sujeitos formadores e em formação, acreditando que somente através de tal socialização poderemos contribuir para o processo de tornar-se professor em cada indivíduo. Em nossa construção enquanto sujeitos que passam de alunos a professores nos deparamos com realidades educacionais diversas, sejam estas mais ou menos privilegiadas, de forma que o ato de compartilhar impressões, experiências, temores e expectativas torne tal transição mais suave.

O estágio, enquanto primeira experiência de aproximação com a docência na prática, nos permitiu compreender a importância e a aplicabilidade de questões teóricas aprendidas durante todo o curso de licenciatura, em um processo de valorizar não só nossas áreas de atuação específicas, como também o ser professor em um todo.

Referências bibliográficas:

Jorgeana Roberta Alcântara Teixeira é graduanda em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora e bolsista da Pró reitoria de extensão na mesma instituição. E-mail: joo_alcantara@hotmail.com

Júlia Canella da Silva é graduanda em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora e bolsista de iniciação científica pela Pró reitoria de pesquisa na mesma instituição. E-mail: juliacanella97@gmail.com

SANTOS, Ana Célia de Sousa. BOMFIM, Maria do Carmo Alves do. Pedagogia feminista na construção de uma “alternativa de gênero”. Fazendo Gênero. UFSC: 2010. In: http://www.seer.ufal.br/index.php/cipar/article/download/1898/1397

SANTOS, Geissyany da Silva. BARROS, Genaldir Rocha de Oliveira. Nunes, Maria Andressa Azevedo. MARQUES, Ângela Maria. Relatos de experiências vivenciadas a partir do estágio supervisionado nos anos iniciais do ensino fundamental. I Congresso de Inovação Pedagógica em Arapiraca. UFAL: Campus Arapiraca, 2015. In: http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1278186641_ARQUIVO_Artigo-FazendoGenero.pdf

SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23. Ed. São Paulo: Cortez, 2007.



8 comentários:

  1. Olá!
    Achei bem interessante o relato e a escolha do tema de vocês. Turmas participativas rendem muito, principalmente na experiência do estágio, nos anima a seguir pelos caminhos da licenciatura.
    Que vídeos e imagens foram utilizados como complementos das aulas? Como foi trabalhada a questão do movimento feminista negro?
    Foram citados movimentos feministas regionais existentes?

    Elaine Cristina Florz

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Elaine, obrigada pela pergunta! Com certeza turma participativas ajudam muito na caminha do estagio. Nós demos apenas duas aulas e foram utilizados os seguintes videos:

      https://www.youtube.com/watch?v=F7fvzGSuIOc&t=1s

      https://www.youtube.com/watch?v=ZCGLC-vziRc&t=3s

      https://www.youtube.com/watch?v=Qkcw-qVCs-Q

      Além desse manual: https://awebic.com/cultura/guia-boa-esposa-1950/

      Att, Jorgeana Roberta Alcantara Teixeira

      Excluir
    2. Este comentário foi removido pelo autor.

      Excluir
    3. Boa tarde Elaine,
      Como a Jorgeana disse só tivemos duas aulas para trabalhar o conteúdo, visto que a terceira foi utilizada para execução da atividade. Dessa forma, pela extensão do tema, as diferentes vertentes do feminismo como feminismo negro, o feminismo marxista, feminismo lésbico, dentre outros, foram citados , mas infelizmente não tivemos como nos aprofundar em todos os temas. Nosso foco se deu mais no tratamento da história do movimento como um todo, desde quando este surge até sua popularização na atualidade, os movimentos regionais não foram citados, mas trabalhamos com alguns movimentos políticos que se relacionassem com o tema como as mulheres unidas contra o Bolsonaro durante as eleições.

      Att,
      Júlia Canella da Silva

      Excluir
  2. Muito interessante a temática abordada por vocês no estágio, trazendo para o debate o feminismo, movimento este que está sendo cada vez mais discutido socialmente. Assim, entender o contexto de seu surgimento e uma das primeiras conquistas, o voto feminismo, promove a reflexão acerca da condição feminina em outras épocas e o que ainda persiste em nosso meio social e cultural. Nesse sentido, durante as aulas, foi possível notar alguma mudança de mentalidade sobre a condição das mulheres tanto no contexto trabalhado como atualmente?

    Isabelly Pietrzaki Pereira

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Isabelly, obrigada pela pergunta! Foram duas aulas e mais uma atividade realiza na turma, as meninas se mostraram interessadas e levantaram questões pessoas nas aulas como a diferença de criação entre elas e os irmãos homens, entre a mãe ser do lar e o pai trabalhar fora. E entenderam isso como uma desigualdade de gênero e como o feminismo se mostra importante e necessário, ao final da aula elas levaram as questões da desigualdade nas aulas de educação física, que se faz presente em diversas escolas. Então, acredito que houve uma consciência das desigualdades quem não podem ser tratadas como normal.

      Att, Jorgeana Roberta Alcantara Teixeira

      Excluir
  3. Olá! Excelente texto e super interessante o tema escolhido por vocês para as aulas. Gostaria de saber se vocês abordaram somente o movimento feminista no Brasil ou também em outros países e até mesmo o movimento feminista do século XIX? E se vocês também trouxeram o tema para os movimentos feministas atuais, trabalhando com diferenças, semelhanças e particularidades de temporalidades distintas.

    Obrigada e parabéns !

    Kássia Maria de Souza Barros

    ResponderExcluir
  4. Boa tarde Kassia,
    Como o movimento tem início primeiramente na Europa, preferimos tratar de suas origens desde o século XIX até o momento em que este se populariza no mundo e chega ao Brasil, de forma a facilitar a compreensão total dos alunos sobre a história do movimento feminista. As diferentes vertentes políticas e organizacionais que tem adotado o feminismo atualmente foram citadas, entretanto, infelizmente, pelo pouco tempo não tivemos condições de abordar todas a fundo, mas tratamos sim de algumas características e principais pautas do feminismo no Brasil atualmente.

    Att,
    Júlia Canella da Silva

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.