Geilza da Silva Santos e Ellen Cristine Alves Silva Canuto


REFLEXÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE O SABER HISTÓRICO EXPERIMENTADO NA GRADUAÇÃO E O SABER HISTÓRICO ESCOLAR VIVENCIADO NO ESTÁGIO



Será que a prática se diverge tanto assim da teoria? Como podemos instituir essa união? Até que ponto podemos utilizar os métodos ensinados na graduação no espaço escolar? Esses questionamentos são recorrentes no campo educacional, pois o debate entre teoria e prática nos remete a uma discussão complexa frente às problemáticas vivenciadas no cotidiano escolar.

“Nas últimas décadas, percebe-se o crescente aumento da preocupação de professores e outros especialistas em educação no sentido de questionar e analisar mais criticamente a relação existente entre o saber histórico acadêmico e - como se tornou comum denominar - o saber histórico escolar” (WANDERLEY, 2002, p.36).

Nessa discussão há uma concordância, não é nada fácil introduzir aspectos teóricos dentro de uma sala de aula, porém não podemos deixar de exercer a nossa função como educadores e colocar em prática todo o processo discutido, teorizado, processado durante a graduação. Devemos ter em mente que a prática realmente é divergente da teoria, pois dentro do ensino secundário as turmas são diferentes, cada aluno tem sua particularidade e isso nos coloca em posicionamentos diversos.

Apesar das dificuldades, temos a possibilidade de compartilhar com nossos alunos aquilo que nos propomos a fazer quando estamos na universidade, quando discutimos os textos pedagógicos. Portanto, é viável unir o “saber histórico acadêmico” do “saber histórico escolar”. Salientando, através de Sonia Maria Leite Nikitiuk que: “aquilo que é definido como conhecimento ou conhecimento escolar, na verdade, constitui uma relação particular e arbitrária de um universo muito mais amplo de possibilidades”. (1996, p.15). Portanto, as possibilidades de ensino-aprendizagem são diversificadas, cabendo a cada docente buscar essa ampliação. Consideramos que uma dessas maneiras estaria relacionada com uma maior aproximação entre escola e universidade. Mesmo que não se busque transformar os alunos em pequenos historiadores, é necessário, como aponta Schmidt:

“[...] a realização na sala de aula da própria atividade do historiador, a articulação entre elementos constitutivos do fazer histórico e do fazer pedagógico. (...) Fazer com que o conhecimento histórico seja ensinado de tal forma que dê ao aluno condições de participar do processo do fazer, do construir a História. Que o aluno possa entender que a apropriação do conhecimento é uma atividade em que se retorna ao próprio processo de elaboração do conhecimento.” (1998, p.54-56).

O professor deve ter a preocupação primordial em desenvolver instrumentos que possibilitem a autonomia intelectual dos alunos, desenvolva habilidades cognitivas através da produção de conhecimento histórico. Como nos relata Wanderley: Classificar, descobrir critérios contidos em classificações, comparar, relacionar, levantar hipóteses, etc. são algumas das atividades mentais que podem caminhar juntas com o ensino de História” (2002, p.2).

Nesse caso, é preciso ter em mente, uma visão perceptível de quais temas vamos trabalhar, como trabalhar, por que trabalhar, que metodologia e recursos utilizaremos e afirmamos que para isso é preciso buscar aquele conhecimento acadêmico, aquelas discussões acercar dessas perspectivas.

É preciso romper com a ideia de que conhecimento acadêmico e conhecimento escolar caminham por trajetos díspares, que não se pode uni-los, que não se pode fazer uma ponte. Até mesmo porque o professor de História é um pesquisador e não apenas receptor das informações trazidas do meio acadêmico. Portanto, teoria e prática não devem ser dissociadas, mas andar de mãos dadas para que assim o ensino ocorra de maneira proveitosa, desenvolvendo a capacidade cognitiva dos alunos, buscando que estes tenham autonomia na descoberta do conhecimento.

A reflexão que estamos levantando esta relacionada à “arte de fazer” colocado por Michel de Certeau (2002), que contribui para a contextualização das relações sociais e suas operacionalidades, que caracterizam o indivíduo. Isso consistiu na prática de levar o diferencial para turmas que fazem parte dessa geração do “click”. Pois precisamos ter a consciência da teoria levada para prática como forma de melhorar o desenvolvimento cognitivo dos alunos. Sendo que o método de conduzir o conteúdo histórico deva ser levado de forma a ajudá-los na assimilação dos assuntos, tendo em vista que, como o processo de ensino-aprendizagem é divergente dentro do campo escolar, devemos levar em consideração o espaço físico, geográfico, cultural e social do aluno e da escola para que, deste modo, possamos desenvolver um planejamento adequado a cada realidade. Assim, “no espaço da educação escolarizada (...) precisamos desenvolver estratégias políticas alternativas, dentre as quais a de planejar o ensino em outra direção e com outras significações.” (CORAZZA, 1997, p. 107).

Uso de recursos didáticos pedagógicos na motivação da aprendizagem

O uso de diferentes linguagens no ensino é entendido pelos PCN’S como um lugar que contribuirá para desenvolver as competências e habilidades dos alunos: “Criticar, analisar e interpretar fontes documentais de natureza diversa, reconhecendo o papel das diferentes linguagens, dos diferentes agentes sociais e dos diferentes contextos envolvidos em sua produção”. (2008.p.28). E nesse contexto o professor terá papel imprescindível nas novas inovações metodológicas. Como destaca Maria Auxiliadora Schmidt:

“Ele é o responsável por ensinar ao aluno como captar e valorizar as diversidades das fontes e dos pontos de vista históricos, o levando a reconstruir, por adução. O percurso da narrativa histórica. Ao professor cabe ensinar ao aluno a levantar problemas, procurando transformar, em cada aula de história, temas e problemáticas em narrativas históricas” (1998, p.30).

Conforme esse discurso, ao se buscar inovar em sala de aula, estaremos desmistificando cada vez mais a ideia que permeia a imagem do professor enquanto uma verdadeira “enciclopédia”, sendo este detentor do poder. Ao invés desta imagem, o professor será associado ao “professor construtor” que auxiliará o aluno na construção do saber.

As inovações metodológicas no ensino de história podem ser um valioso instrumento no processo de ensino-aprendizagem, desde que, de maneira adequada. Mas, é necessário salientar que não existe uma receita infalível, para a utilização de qualquer recurso didático. Existem vários aspectos que contribuem para um melhor resultado de sua utilização, seja o desempenho do professor, seja a receptividade da turma em relação ao recurso. O que muitas vezes funciona em determinada turma, não pressupõe que funcionará em outra.

Podemos então configurar a prática da regência com a teoria da graduação, quando em sala de aula contextualizamos os fatos através das fotografias, dos filmes, dos mapas, que são recursos utilizados para atrair a atenção do aluno “atribuir sentido e significado aos temas e aos assuntos no âmbito da vida em sociedade.” (PCN’s, 2008, p. 69). Tendo em vista que, esses recursos, são fontes históricas e que precisam ser contextualizados, provocando um despertar no interesse sobre a matéria, como também ajudar a fixar o conteúdo de forma leve, dinâmica, criando um espaço de incorporação à história.

Esses novos recursos de linguagem dentro do ensino de história surgiu com a escola dos Annales em 1929, no qual os historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre, introduziram uma nova temática de ensino, em que a utilização das fontes é mais abrangente, mostrando que as histórias não estão presentes apenas nos escritos oficiais e sim nas iconografias, fotografias, na tradição oral, nas produções cinematográficas, dentre outras fontes, que proporciona novas concepções de estudos, colocando em evidência as diferentes visões sobre os acontecimentos, fatos históricos e as experiências de vida. Revelando que esses elementos didáticos são testemunhas de uma sociedade.

Dentro desses recursos, utilizamos em nossas aulas, o cinema e o mapa como fonte histórica, visando mostrar na prática a teoria existente em filmes. Desta forma, buscamos “desenvolver a percepção para se entender como a história é construída na narrativa fílmica.” (ABUD, 2010, p. 166). Atribuindo as características existentes na composição dos filmes, da construção das narrativas, no comportamento e nas peculiaridades que a crítica e a linguagem, da produção, querem deixar para os seus telespectadores.

Devemos discutir a produção fílmica como uma fonte histórica que traz consigo subjetividades, proporcionando aos alunos um exercício de análise crítica frente aos fatos históricos abordados nos filmes. Deste modo, trata-se de inserir o uso da imagem fílmica no ensino, como forma de aguçar a conscientização dos alunos sobre as diferenças de objetos e métodos. Apresentá-los como uma discussão junto à historiografia, colocando os contrapontos existentes e a subjetividade de sua produção. Pois, como bem coloca a autora Abud (2010), o filme não carrega uma verdade absoluta, assim como a história, isso porque, são frutos de escolhas e interpretações. Por isso é importante contextualizá-lo como fonte de pesquisa associado ao conhecimento histórico, no qual são produzidos por pesquisas a fim de relacioná-los, mostrando as diferentes visões de interpretação do mesmo fato e suas diferentes causas para as mudanças históricas. Conforme nos chama atenção o autor Catelli.

“Desde que a produção cinematográfica passou a ser encarada como um testemunho da sua sociedade, como um reflexo das ideologias, dos costumes e das mentalidades coletivas que a produziram, podemos ver um filme tanto como documento historiográfico quanto como um discurso sobre a história.” (2009, p. 53).

Cabe ao professor levantar problemáticas dentro da narrativa histórica apresentada no filme, para despertar o senso crítico do aluno e assim identificar qual a proposta do autor e quais seus interesses ao abordar tal tema.  É preciso perceber o filme em sua complexidade e não apenas como algo que possa confirmar ou negar a tradição escrita, e sim como uma fonte de auxílio na construção do conhecimento, extraindo dessa arte a sua função didática, proporcionando o desenvolvimento do aluno em “analisar e interpretar fontes documentais de natureza diversa, reconhecendo o papel das diferentes linguagens, dos diferentes agentes sociais e dos diferentes contextos envolvidos em sua produção.” (CATELLI, 2009, p. 55). Tratando a produção cinematográfica como uma fonte que elenca seus significados, interpretações, apresentando novas vertentes sobre os fatos históricos e não apenas como um passo ilustrativo de uma aula de história.

Seguindo essa temática de recursos didáticos temos o uso do mapa como fonte de interdicisplinaridade no ensino de história, trazendo elementos geográficos para ampliar o construto do conhecimento.

É importante o uso desse recurso didático para que o aluno possa se localizar dentro dos acontecimentos históricos, uma estratégia de ensino que ajuda ao discente no entendimento sobre as espacialidades dentro da historiografia. Dessa forma, o professor pode usar desse método para dar visibilidade a um contexto histórico, como por exemplo, a explicação das expedições marítimas, que com o auxilio do mapa, essa análise se torna mais completa dando oportunidade ao aluno de ampliar sua visão de mundo, dentro de uma contextualização sobre a trajetória percorrida entre os países.

Outra colocação interessante é a apresentação do mapa como fonte de paisagem, como explica Abud.

“A paisagem é organizada pela ação humana, a qual é composta por processos de mudanças e permanências. Esses podem ser compreendidos por meio de mapas, instrumentos que fornecem aos alunos informações de natureza visual, mas cuja elaboração passa por um processo de representação espacial que exige reflexão”. (2010, p. 96).

Assim, mostrar ao aluno as mudanças percorridas ao longo do processo histórico e o que ela acarretou na configuração de uma determinada área é um mecanismo que engrandece o processo de ensino-aprendizagem.

Dentro desse contexto o mapa consistiu em uma junção visual com a contextualização escrita que auxilia no entendimento de determinados assuntos, como o período da colonização espanhola, no qual podemos discutir as diferentes abordagens da presença dos espanhóis dentro do continente da América Latina. As configurações administrativas que refletiam em marcações de fronteiras, os contatos entre os colonizadores e os nativos existentes nessa área, as formas de subdivisões para auxiliar na extração das riquezas, dentre outros aspectos que o mapa pode trazer para melhor compreensão dentro do ensino de história.

Conduto, esses recursos foram de extrema importância para proporcionar aos alunos uma melhor assimilidade dos fatos, apresentando-os como características para situá-los dentro do tempo; do espaço; das temáticas ministradas; no construto do entendimento entre o lugar social; das diferentes interpretações dos fatos históricos; na visualização das áreas e suas marcações; localizando o aluno dentro da dimensão territorial para assim produzir uma “[...] compreensão das mudanças e permanências históricas operadas pelas sociedades nos espaços que ocupam e vivem.” (ABUD, 2010, p. 102). Desta maneira, podemos contribuir para que os alunos reconheçam os significados, símbolos e estruturas do tempo passado e presente.

Esse planejamento de ensino é constituído para um desenvolvimento de “[...] estratégias politicas alternativas, dentre quais a de planejar o ensino em outra direção e com outras significações.” (CORAZZA, 1997, p.107) Pois, a seleção dos conteúdos formula o direcionamento no saber, e de acordo com os PCN’s (2008, p. 86) é “nesse sentido que os conteúdos ocupam papel central no processo ensino-aprendizagem [...]”, constituindo na prática pedagógica a junção entre a prática vivenciada dentro da sala de aula com a teoria apresentada na graduação, como elementos que compõem na abordagem dos conteúdos selecionados, possibilitando o construir de um novo aparato dentro do ensino de história.

REFERÊNCIAS


Geilza da Silva Santos é doutoranda em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE.

Ellen Cristine Alves S. Canuto é mestre em História pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB.

ABUD, Kátia Maria. Ensino de História. In: Capitulo 6 : Mudanças e permanências: estudo por meio de mapas. Capítulo 10: O cinema no ensino de História. São Paulo: Cengage Learning, 2010, p. 93-103; p. 165-177.

CATELLI JUNIOR, Roberto, Temas e linguagens da história: ferramentas para sala de aula no ensino médio. In: Elementos para a construção de um programa de História para o ensino médio. São Paulo: Scipione, 2009, p 7-72.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1 – artes de fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves 8. ed. Petropólis: Vozes, 2002.

CORAZZA, Sandra Mara. Planejamento de ensino como estratégia de política cultural. In: MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa (org.). Currículo: Questões Atuais. São Paulo: Papirus, 1997, p. 103-141.

MORETTO, Vasco Pedro. Prova – um momento privilegiado de estudo – não um acero de contas. In: Capítulo 9: Avaliar com eficácia e eficiência. 3 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p.93-122.

NIKITIUK, Sonia Maria Leite. “Ensino de História: Algumas Reflexões sobre a apropriação do saber”. In. __________Repensando o ensino de História. Sonia Maria Leite Nikitiuk (org). Cortez editora, São Paulo, 1996, p. 7-24.

PCN’S. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Ciências Humanas e suas tecnologias/ Secretaria da Educação Básica. Brasília. Ministério da Educação. Secretária da Educação. 2008, p. 65-97.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A formação do professor de história e o cotidiano da sala de aula. In: BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1998, pp. 54-66.

WANDERLEY, Sonia. Repensando o ensino da história, produzindo conhecimento Artigo publicado no Caderno de Graduação Ensino e formação de professores na perspectiva das licenciaturas em Ciências Humanas. Rio de Janeiro: UERJ, Departamento de Ensino de Graduação, 2002, v.4, p.36-43.

6 comentários:

  1. Cláudio Correia de Oliveira Neto8 de abril de 2019 às 06:25

    Parabéns pelo excelente trabalho. Vocês recorreram muito aos PCNs de história em suas discussões. Gostaria de saber se ao ver de vocês a Base Comum Curricular Nacional (BNCC) de história para ensino fundamental anos inicias e finais trouxe ou incorporou avanços nas discussões acerca da transposição didática entre saber histórico acadêmico e saber histórico escolar.
    Cláudio Correia de Oliveira Neto.

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    1. Olá Gabrielle!Agradecemos pela pergunta. Nosso aproveitamento foi muito satisfatório, os alunos interagiram durante as aulas mostrando uma maior atenção ao conteúdo ministrado, o que refletiu nas avaliações uma melhor assimilação sobre o assunto.

      Att,
      Ellen Cristine A.S.Canuto e Geilza da S.Santos

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    3. Olá Cláudio!Ficamos gratas pelo elogio e agradecemos também pela pergunta muito pertinente. Bem, no cenário em que vivemos hoje, tudo esta se tornando um desafio. As condições dos professores nunca foram as melhores, e vemos com preocupação o futuro da educação. No contexto geral a base comum curricular é apresentada como um recurso de apoio para o planejamento pedagógico, para as diretrizes na composição do currículo escolar, nesse caso, esse seria um ponto positivo, pois podem ajudar na reflexão sobre os assuntos, temas, aspectos que tem por base as abordagens que aguçam o senso crítico do aluno. Nesse quesito, acreditamos que devemos ampliar os olhares dos discentes para que possam ter esse embasamento crítico, para que possam desenvolver capacidades de interpretar, compreender, entre outros fatores, de forma ativa as interpretações sobre o mundo, sobre os homens. É importante frisar que devemos enfatizar o estudo sobre o contexto histórico regional, introduzindo no currículo os fatores, características, influências, experiências, construções, que viabiliza o entendimento sobre as identidades que compõem o espaço escolar, o mundo de vivência de cada região. Por isso,é preciso dá relevância aos assuntos regionais, que aproximam os aspectos históricos do cotidiano de cada comunidade escolar.

      Att,
      Ellen Cristine A. S. Canuto e Geilza da Silva Santos

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  2. Parabéns pelo trabalho. Gostaria de saber se notaram uma melhora e uma maior interação dos alunos quando utilizaram os recursos didáticos nas aulas, se teve resistência por parte dos estudates ou se tiveram um alto aproveitamento diante do método
    GABRIELLE LEGNAGHI DE ALMEIDA

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  3. Desculpem o erro, as respostas acabaram ficando juntas.

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