Laryssa Alves da Silva e Millena Luzia Carvalho do Carmo


O ENSINO DOS REGIMES POLÍTICOS EM HISTÓRIA ANTIGA: UMA PROPOSTA A PARTIR DO PROJETO PROLICEN



O atual cenário político brasileiro produz reflexões acerca de que forma a política é discutida nos diversos âmbitos da sociedade e, principalmente, nas escolas. Ao compreender que a escola é a instituição que promove o ensino, a aprendizagem e, para além disso, a cidadania, a discussão acerca dos sistemas políticos é fundamental. A partir dessa premissa, o projeto Prolicen “Vocabulário político da Antiguidade: reflexões para o exercício da cidadania”, na Universidade Federal da Paraíba, estuda o vocabulário político utilizado no cotidiano a partir da Antiguidade Clássica, enfatizando a importância de compreender as formas de governo desde o seu surgimento e perceber as suas características ao longo dos períodos históricos, até os dias atuais. O trabalho é orientado pelos docentes da UFPB Priscilla Gontijo Leite e Lucas Consolin Dezotti.

O objetivo do projeto é produzir um material que possibilite a compreensão sobre termos utilizados no nosso cotidiano – como democracia, tirania, oligarquia, república, aristocracia, monarquia – pensando de que forma eles foram utilizados na Antiguidade e com que sentido são utilizados hoje. A perspectiva do projeto é interdisciplinar, envolvendo alunos e professores do curso de História e Letras Clássicas que, desde 2016, pensam em novas alternativas do ensino dos conteúdos a respeito da Antiguidade, em especial, sobre a política (Leite, Dezotti, 2017). Esse trabalho conjunto, possibilita a produção de um material didático constituído por pesquisa histórica e trechos de textos de autores clássicos (como Heródoto, Aristóteles, Cícero, Tito Lívio e Políbio).

Além disso, ao apresentar trechos bilingue dessas obras clássicas, busca provocar o interesse dos alunos em conhecer línguas como o latim e o grego. Por isso, uma das preocupações do projeto é a elaboração de traduções voltadas para o público jovem em fase escolar. Com isso, há um esforço de adequar essa linguagem histórica e filosófica para que seja facilmente compreendida pelos alunos sem que realize simplificações ou distorções de determinadas noções complexas, como a palavra “demos”, por exemplo.

A elaboração do material é continuada. Somando as produções de 2016 a 2018, agora o projeto conta com 46 fichas didáticas a respeito da Grécia antiga, com potencial de serem utilizadas em sala de aula, além de 17 fichas sobre o mundo romano que precisam ser revisadas para serem aplicadas em sala. A ficha tem a seguinte disposição: (a) dados informativos
sobre o autor e a obra; (b) texto em grego ou latim e a tradução em
português, dispostos lado a lado; (c) um pequeno léxico comentado, para informar especialistas e leigos sobre as possibilidades de leitura do texto na língua de partida; (d) comentários de caráter teórico e contextual, para esclarecer momentos históricos e trazer discussões relativas ao vocabulário político; (e) sugestões de debate para a sala de aula.
Em 2018, as fichas e traduções sobre o livro Da Republica, de Cícero, estavam sendo feitas concomitantemente à revisão e editoração do trabalho realizado nos anos anteriores, sobre Heródoto, Aristóteles e Políbio. A intenção é colocar o professor em contato com essas fichas para que ele consiga aproximar o aluno desses conteúdos. Para ver, na prática, o que esse objetivo estava conseguindo alcançar, aplicamos o material sobre Heródoto na Escola Estadual Francisco Campos, de João Pessoa, em uma turma do 6ª ano do Ensino Fundamental II. A partir disso, o objetivo desse trabalho é compartilhar a experiência vivida em sala de aula, apresentando esse processo de interação entre a universidade e o ensino básico.

Dentro da sala de aula
Todo o plano de aula foi elaborado apoiando-se nas fichas sobre Heródoto produzidas dentro do projeto. Elas foram fundamentais para a elaboração do plano, uma vez que o objetivo era aliar o conteúdo já visto com a utilização de novas metodologias de ensino. Pensamos em elaborar um plano de aula que articulasse a teoria e a prática, visando a melhor compreensão do conteúdo. Assim, além de introduzir assuntos mais teóricos, pensamos em exercícios que estimulassem a criatividade dos alunos.

A construção do plano de aula partiu, também, da preocupação em sistematizar o conteúdo a ser aplicado, pensando na realidade estrutural da escola, bem como no tempo disponibilizado para a aula. A coleta de informações com a professora da turma foi essencial para o planejamento das atividades. Perguntamos a disponibilidade de recursos midiáticos na escola, o conteúdo que estava sendo dado nas aulas de história, a interação dos alunos, a quantidade de alunos da turma, etc. Essas informações nortearam a elaboração do plano de aula, permitindo adequar o roteiro a essa realidade específica.

Buscamos levar para os alunos a interdisciplinaridade presente no material. Como alguns trechos das fontes históricas são traduzidos, fizemos a interação do grego e português, lendo em sala de aula parte do texto em grego. Isso, sem dúvidas, despertou a atenção de todos e a curiosidade para o que estava sendo trabalhado.

Após essa exposição, fizemos uma dinâmica com os alunos, em que eles se dividiram em grupos, cada um com uma forma de governo principal e apresentaram sobre esse sistema de maneira criativa para toda a sala. Sugerimos a criação de desenhos, poemas, peças, etc. A maioria dos grupos fez uma peça teatral sobre as respectivas formas de governo, um grupo declamou uma poesia.

Para concluir a aula, entregamos aos alunos algumas questões de fixação do conteúdo, pedindo para que eles escrevessem as principais características das formas do governo estudadas: monarquia, tirania, oligarquia e democracia. A última questão dessa atividade, pedia para que eles, observando o cenário do Brasil hoje, indicassem a forma do governo do país e justificasse. Majoritariamente, os alunos responderam democracia (11 das 15 atividades), argumentando principalmente sobre a possibilidade da participação de todos os cidadãos.

Seria interessante voltar com uma aula baseada nas respostas dadas pelos alunos. É democracia, porque todos participam. Mas participam de quê? É preciso trabalhar um conceito não apenas pela sua definição, para classificação de “certo” ou “errado”, é necessário refletir como esse conceito parte para a experiência. É esse o desafio, é isso que permite entender que o que hoje, no Brasil de 2019, entende-se por democracia, não é o mesmo do que se entendia na Grécia do século V a.C.

Ao analisar as respostas como um todo, juntamente com as outras questões, foi possível perceber que a aula atendeu às expectativas em nível conceitual. Os alunos entraram em contato com o fundamental das formas de governo, claramente pouco conhecidas por eles. Por fim, para além da nossa percepção através da atividade, foi entregue uma pesquisa sobre como foi o andamento da aula, se o grupo compreendeu o assunto e outras questões de ordem prática. Foram distribuídas 27 pesquisas, dessas, 15 foram entregues respondidas com “sim”, “não” ou “mais ou menos”.

Ao questioná-los sobre a clareza da exposição do conteúdo, 14 responderam que “sim”, a aula foi clara. Um aluno respondeu “mais ou menos”. Em contrapartida, quando questionamos se eles não entenderam bem a proposta da aula, 8 responderam “não”, 5 “mais ou menos” e 2 “sim”. Isso demonstra que ainda é preciso fazer com que o aluno se conecte à aula de uma forma que, mesmo com alguma dispersão momentânea, ele compreenda o que está sendo trabalhado, qual a proposta e os objetivos da aula.

Em uma outra pergunta, questionamos se eles compreenderam bem todos os conceitos apresentados. 10 alunos responderam que “sim”, 5 responderam “mais ou menos”. Por outro lado, quando questionados sobre a dificuldade do entendimento do assunto da maneira que foi apresentado, 11 responderam que “não” acharam difícil entender, 2 “sim” e 2 “mais ou menos”. Esse retorno, de maneira geral, foi importante para pensar o projeto e o material produzido até então. Mesmo sendo a primeira aplicação, já foi possível perceber o que está funcionando e o que precisa melhorar. Para lapidar bem o material, é essencial entrar em contato com outras séries para estabelecer uma comparação mais fundamentada de qual deve ser a forma de se trabalhar o conteúdo.

A interação e aproximação que os projetos da universidade devem ter com os outros níveis de ensino é essencial para possibilitar a ampliação do conhecimento e incentivar esses alunos para a pesquisa. Essa identificação provocada, de dentro para fora, faz parte do exercício da cidadania. Assim, continuamos com o projeto com o intuito de ampliar as conexões entre professores e alunos, atuantes em um mundo político, repleto de significados que exigem pensamento crítico e reflexão.

Considerações finais
O projeto Prolicen, desenvolvido pelo curso de licenciatura em História, com a colaboração do curso de licenciatura em Letras Clássicas, busca auxiliar a formação de docentes preocupados em trabalhar com as conexões entre a história e a aplicação de conceitos políticos na atualidade. A discussão acadêmica, a produção de material didático e a aplicação em sala de aula constituem o tripé que sustenta esse projeto, buscando atender os eixos norteadores da universidade pública: pesquisa, ensino, extensão.

A interdisciplinaridade entre História e Letras Clássicas possibilitou aos alunos de licenciatura uma visão ampla do tema pesquisado. Além disso, o trabalho de pesquisa histórica, tradução de textos e as discussões nas reuniões semanais contribuíram diretamente para a formação acadêmica dos discentes. A produção do material didático, a partir das pesquisas e traduções, também garantiu um aprendizado fundamental para a nossa formação, uma vez que entramos em contato com a prática docente.

O empenho de cada participante, juntamente com a mediação dos professores, gera um ambiente em que o diálogo e a pesquisa estão sempre presentes, os resultados são consequência dessa interação construtivista. O trabalho, que ainda está crescendo com a produção de novos materiais, já mostra ter grande aplicabilidade, questão que foi testada na apresentação da ficha de Heródoto na escola de nível fundamental e que será aplicada em outras, inclusive do nível Médio. É clara a relevância e organização do trabalho no momento em que, mesmo com a troca de participantes, a fluidez das produções continuam respeitando e aprimorando os objetivos do projeto. É importante que esse material chegue à sala de aula de maneira clara e instigante, que cumpra o papel de trabalhar diretamente com as fontes históricas, questão que os livros didáticos deixam a desejar em sua abordagem. Os resultados do trabalho são construídos semanalmente para gerar essas possibilidades de ensino e ampliação da perspectiva de pesquisa.


Referências
Laryssa Alves da Silva é graduanda de História, Licenciatura Plena, pela Universidade Federal da Paraíba;

Millena Luzia Carvalho do Carmo é graduanda de História, Licenciatura Plena, pela Universidade Federal da Paraíba.

Priscilla Gontijo Leite, professora orientadora, docente do curso de História da UFPB, dirige o projeto Prolicen: Vocabulário político da Antiguidade: reflexões para o exercício da cidadania

Lucas Consolin Dezotti, professor colaborador, docente da UFPB do curso de Letras Clássicas da UFPB, participa do projeto Prolicen: Vocabulário político da Antiguidade: reflexões para o exercício da cidadania

DEZOTTI, Lucas Consolin, LEITE, Priscilla Gontijo. Política na sala de aula: uma proposta interdisciplinar a partir da Antiguidade. Nuntius Antiquus, Belo Horizonte, v. 13, n. 1, 2017.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes Necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.


2 comentários:

  1. Prezados autores, bom dia,

    Achei muito interessante a proposta da atividade em sala de aula. Vou tê-la como inspiração para as minhas. Queria compreender melhor o que disseram os estudantes que afirmaram, após a sequencia didática, como eles justificaram que nós não vivemos em uma democracia?
    Abc
    Leonardo Carnut

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  2. Boa noite,
    Nessas 4 atividades, tivemos 3 tipos de resposta: a afirmação que é uma monarquia, mas sem justificativa; uma oligarquia, porque apenas "um grupo é responsável pelas decisões políticas"; nenhuma forma de governo dessas citadas, porque o "Brasil está na maior confusão". Achamos muito interessantes as respostas e pretendemos aplicar em mais escolas para trabalhar melhor com as pesquisas.
    Agradecemos pela pergunta,
    Laryssa Alves e Millena Carvalho

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