O atual cenário político brasileiro
produz reflexões acerca de que forma a política é discutida nos diversos
âmbitos da sociedade e, principalmente, nas escolas. Ao compreender que a
escola é a instituição que promove o ensino, a aprendizagem e, para além disso,
a cidadania, a discussão acerca dos sistemas políticos é fundamental. A partir
dessa premissa, o projeto Prolicen “Vocabulário político da Antiguidade:
reflexões para o exercício da cidadania”, na Universidade Federal da Paraíba,
estuda o vocabulário político utilizado no cotidiano a partir da Antiguidade
Clássica, enfatizando a importância de compreender as formas de governo desde o
seu surgimento e perceber as suas características ao longo dos períodos
históricos, até os dias atuais. O trabalho é orientado pelos docentes da UFPB
Priscilla Gontijo Leite e Lucas Consolin Dezotti.
O objetivo do projeto é produzir um
material que possibilite a compreensão sobre termos utilizados no nosso
cotidiano – como democracia, tirania, oligarquia, república, aristocracia,
monarquia – pensando de que forma eles foram utilizados na Antiguidade e com
que sentido são utilizados hoje. A perspectiva do projeto é interdisciplinar,
envolvendo alunos e professores do curso de História e Letras Clássicas que,
desde 2016, pensam em novas alternativas do ensino dos conteúdos a respeito da
Antiguidade, em especial, sobre a política (Leite, Dezotti, 2017). Esse
trabalho conjunto, possibilita a produção de um material didático constituído
por pesquisa histórica e trechos de textos de autores clássicos (como Heródoto,
Aristóteles, Cícero, Tito Lívio e Políbio).
Além disso, ao apresentar trechos
bilingue dessas obras clássicas, busca provocar o interesse dos alunos em
conhecer línguas como o latim e o grego. Por isso, uma das preocupações do
projeto é a elaboração de traduções voltadas para o público jovem em fase
escolar. Com isso, há um esforço de adequar essa linguagem histórica e
filosófica para que seja facilmente compreendida pelos alunos sem que realize
simplificações ou distorções de determinadas noções complexas, como a palavra “demos”, por exemplo.
A elaboração do material é continuada.
Somando as produções de 2016 a 2018, agora o projeto conta com 46 fichas
didáticas a respeito da Grécia antiga, com potencial de serem utilizadas em
sala de aula, além de 17 fichas sobre o mundo romano que precisam ser revisadas
para serem aplicadas em sala. A ficha tem a seguinte disposição: (a) dados
informativos
sobre o autor e a obra; (b) texto em
grego ou latim e a tradução em
português, dispostos lado a lado; (c) um
pequeno léxico comentado, para informar especialistas e leigos sobre as
possibilidades de leitura do texto na língua de partida; (d) comentários de
caráter teórico e contextual, para esclarecer momentos históricos e trazer
discussões relativas ao vocabulário político; (e) sugestões de debate para a
sala de aula.
Em 2018, as fichas e traduções sobre o
livro Da Republica, de Cícero,
estavam sendo feitas concomitantemente à revisão e editoração do trabalho
realizado nos anos anteriores, sobre Heródoto, Aristóteles e Políbio. A
intenção é colocar o professor em contato com essas fichas para que ele consiga
aproximar o aluno desses conteúdos. Para ver, na prática, o que esse objetivo
estava conseguindo alcançar, aplicamos o material sobre Heródoto na Escola
Estadual Francisco Campos, de João Pessoa, em uma turma do 6ª ano do Ensino
Fundamental II. A partir disso, o objetivo desse trabalho é compartilhar a
experiência vivida em sala de aula, apresentando esse processo de interação
entre a universidade e o ensino básico.
Dentro da sala de
aula
Todo o plano de
aula foi elaborado apoiando-se nas fichas sobre Heródoto produzidas dentro do
projeto. Elas foram fundamentais para a elaboração do plano, uma vez que o
objetivo era aliar o conteúdo já visto com a utilização de novas metodologias
de ensino. Pensamos em elaborar um plano de aula que articulasse a teoria e a
prática, visando a melhor compreensão do conteúdo. Assim, além de introduzir
assuntos mais teóricos, pensamos em exercícios que estimulassem a criatividade
dos alunos.
A construção do plano de aula partiu,
também, da preocupação em sistematizar o conteúdo a ser aplicado, pensando na
realidade estrutural da escola, bem como no tempo disponibilizado para a aula.
A coleta de informações com a professora da turma foi essencial para o planejamento
das atividades. Perguntamos a disponibilidade de recursos midiáticos na escola,
o conteúdo que estava sendo dado nas aulas de história, a interação dos alunos,
a quantidade de alunos da turma, etc. Essas informações nortearam a elaboração
do plano de aula, permitindo adequar o roteiro a essa realidade específica.
Buscamos levar para os alunos a
interdisciplinaridade presente no material. Como alguns trechos das fontes
históricas são traduzidos, fizemos a interação do grego e português, lendo em
sala de aula parte do texto em grego. Isso, sem dúvidas, despertou a atenção de
todos e a curiosidade para o que estava sendo trabalhado.
Após essa exposição, fizemos uma dinâmica
com os alunos, em que eles se dividiram em grupos, cada um com uma forma de governo
principal e apresentaram sobre esse sistema de maneira criativa para toda a
sala. Sugerimos a criação de desenhos, poemas, peças, etc. A maioria dos grupos
fez uma peça teatral sobre as respectivas formas de governo, um grupo declamou
uma poesia.
Para concluir a aula, entregamos aos
alunos algumas questões de fixação do conteúdo, pedindo para que eles
escrevessem as principais características das formas do governo estudadas:
monarquia, tirania, oligarquia e democracia. A última questão dessa atividade,
pedia para que eles, observando o cenário do Brasil hoje, indicassem a forma do
governo do país e justificasse. Majoritariamente, os alunos responderam
democracia (11 das 15 atividades), argumentando principalmente sobre a
possibilidade da participação de todos os cidadãos.
Seria interessante voltar com uma aula
baseada nas respostas dadas pelos alunos. É democracia, porque todos
participam. Mas participam de quê? É preciso trabalhar um conceito não apenas
pela sua definição, para classificação de “certo” ou “errado”, é necessário
refletir como esse conceito parte para a experiência. É esse o desafio, é isso
que permite entender que o que hoje, no Brasil de 2019, entende-se por
democracia, não é o mesmo do que se entendia na Grécia do século V a.C.
Ao analisar as respostas como um todo,
juntamente com as outras questões, foi possível perceber que a aula atendeu às
expectativas em nível conceitual. Os alunos entraram em contato com o
fundamental das formas de governo, claramente pouco conhecidas por eles. Por
fim, para além da nossa percepção através da atividade, foi entregue uma
pesquisa sobre como foi o andamento da aula, se o grupo compreendeu o assunto e
outras questões de ordem prática. Foram distribuídas 27 pesquisas, dessas, 15
foram entregues respondidas com “sim”, “não” ou “mais ou menos”.
Ao questioná-los sobre a clareza da
exposição do conteúdo, 14 responderam que “sim”, a aula foi clara. Um aluno
respondeu “mais ou menos”. Em contrapartida, quando questionamos se eles não
entenderam bem a proposta da aula, 8 responderam “não”, 5 “mais ou menos” e 2
“sim”. Isso demonstra que ainda é preciso fazer com que o aluno se conecte à
aula de uma forma que, mesmo com alguma dispersão momentânea, ele compreenda o
que está sendo trabalhado, qual a proposta e os objetivos da aula.
Em uma outra pergunta, questionamos se
eles compreenderam bem todos os conceitos apresentados. 10 alunos responderam
que “sim”, 5 responderam “mais ou menos”. Por outro lado, quando questionados
sobre a dificuldade do entendimento do assunto da maneira que foi apresentado,
11 responderam que “não” acharam difícil entender, 2 “sim” e 2 “mais ou menos”.
Esse retorno, de maneira geral, foi importante para pensar o projeto e o
material produzido até então. Mesmo sendo a primeira aplicação, já foi possível
perceber o que está funcionando e o que precisa melhorar. Para lapidar bem o
material, é essencial entrar em contato com outras séries para estabelecer uma
comparação mais fundamentada de qual deve ser a forma de se trabalhar o conteúdo.
A interação e aproximação que os projetos
da universidade devem ter com os outros níveis de ensino é essencial para
possibilitar a ampliação do conhecimento e incentivar esses alunos para a
pesquisa. Essa identificação provocada, de dentro para fora, faz parte do
exercício da cidadania. Assim, continuamos com o projeto com o intuito de
ampliar as conexões entre professores e alunos, atuantes em um mundo político,
repleto de significados que exigem pensamento crítico e reflexão.
Considerações
finais
O projeto Prolicen, desenvolvido pelo
curso de licenciatura em História, com a colaboração do curso de licenciatura
em Letras Clássicas, busca auxiliar a formação de docentes preocupados em
trabalhar com as conexões entre a história e a aplicação de conceitos políticos
na atualidade. A discussão acadêmica, a produção de material didático e a
aplicação em sala de aula constituem o tripé que sustenta esse projeto,
buscando atender os eixos norteadores da universidade pública: pesquisa,
ensino, extensão.
A interdisciplinaridade entre História e
Letras Clássicas possibilitou aos alunos de licenciatura uma visão ampla do
tema pesquisado. Além disso, o trabalho de pesquisa histórica, tradução de
textos e as discussões nas reuniões semanais contribuíram diretamente para a
formação acadêmica dos discentes. A produção do material didático, a partir das
pesquisas e traduções, também garantiu um aprendizado fundamental para a nossa
formação, uma vez que entramos em contato com a prática docente.
O empenho de cada participante,
juntamente com a mediação dos professores, gera um ambiente em que o diálogo e
a pesquisa estão sempre presentes, os resultados são consequência dessa
interação construtivista. O trabalho, que ainda está crescendo com a produção
de novos materiais, já mostra ter grande aplicabilidade, questão que foi
testada na apresentação da ficha de Heródoto na escola de nível fundamental e
que será aplicada em outras, inclusive do nível Médio. É clara a relevância e
organização do trabalho no momento em que, mesmo com a troca de participantes,
a fluidez das produções continuam respeitando e aprimorando os objetivos do
projeto. É importante que esse material chegue à sala de aula de maneira clara
e instigante, que cumpra o papel de trabalhar diretamente com as fontes
históricas, questão que os livros didáticos deixam a desejar em sua abordagem.
Os resultados do trabalho são construídos semanalmente para gerar essas
possibilidades de ensino e ampliação da perspectiva de pesquisa.
Referências
Laryssa Alves da Silva é graduanda de
História, Licenciatura Plena, pela Universidade Federal da Paraíba;
Millena Luzia Carvalho do Carmo é
graduanda de História, Licenciatura Plena, pela Universidade Federal da
Paraíba.
Priscilla Gontijo Leite, professora
orientadora, docente do curso de História da UFPB, dirige o projeto Prolicen:
Vocabulário político da Antiguidade: reflexões para o exercício da cidadania
Lucas Consolin Dezotti, professor
colaborador, docente da UFPB do curso de Letras Clássicas da UFPB, participa do
projeto Prolicen: Vocabulário político da Antiguidade: reflexões para o
exercício da cidadania
DEZOTTI,
Lucas Consolin, LEITE, Priscilla Gontijo. Política na sala de aula: uma
proposta interdisciplinar a partir da Antiguidade. Nuntius Antiquus, Belo Horizonte,
v. 13, n. 1, 2017.
FREIRE,
Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes Necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1996.
Prezados autores, bom dia,
ResponderExcluirAchei muito interessante a proposta da atividade em sala de aula. Vou tê-la como inspiração para as minhas. Queria compreender melhor o que disseram os estudantes que afirmaram, após a sequencia didática, como eles justificaram que nós não vivemos em uma democracia?
Abc
Leonardo Carnut
Boa noite,
ResponderExcluirNessas 4 atividades, tivemos 3 tipos de resposta: a afirmação que é uma monarquia, mas sem justificativa; uma oligarquia, porque apenas "um grupo é responsável pelas decisões políticas"; nenhuma forma de governo dessas citadas, porque o "Brasil está na maior confusão". Achamos muito interessantes as respostas e pretendemos aplicar em mais escolas para trabalhar melhor com as pesquisas.
Agradecemos pela pergunta,
Laryssa Alves e Millena Carvalho