HISTORIOBIOGRAFIA
NA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONSOLIDANDO EXPERIÊNCIAS DE EDUCAÇÃO HISTÓRICA EM ESCOLA
PÚBLICA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL
Esta pesquisa expressa algumas das experiências advindas do cotidiano
escolar no trabalho com a educação infantil. A experiência realizada em 2017 em
escola pública do município de Pinhais, Estado do Paraná. Envolve tanto o
planejamento quanto a execução de um projeto de ação e intervenção na realidade
escolar, voltado ao desenvolvimento da noção de história pessoal, história de
vida e historiobiografia, constituindo importante contribuição para a
construção da literacia histórica.
A compreensão de historiobiografia como suporte teórico-metodológico se
apoia na perspectiva de construção de uma narrativa de história pessoal, seja
uma abordagem terapêutico-educativa como composição do sentido de vida
(CRITELLI, 2012). A perspectiva da literacia histórica aproximada do letramento
e da compreensão significativa dos fragmentos que dão sentido específico
interpretado pelo sujeito, mobiliza tanto o imaginário (NICARETA, ABBEG, 2016,
p.582) quanto uma compreensão de sua própria existência enquanto sujeito
histórico. Desta forma, a constituição das narrativas, das histórias, seja
pessoal ou coletiva,
"...não podem ser tratadas como um acúmulo de eventos" (LEE, 2006,
p.134). São significativos e envolvem a subjetivação do conhecimento histórico.
A constituição dos elementos significativo para a realização
da pesquisa exige um processo de investigação por parte da criança, a reflexão
sobre a sua história pessoal exige o diálogo com os familiares, a exploração de
objetos particulares de sua própria história promovendo a referencialidade
entre objeto e tempo (seja pela exploração de um brinquedo novo e um brinquedo
“antigo”). Para Queiroz (1988) a história de vida está presente no quadro amplo
da história oral que também inclui depoimentos, entrevistas, biografias, autobiografias.
Assim, a exploração de diálogos e conversas entre a criança e os pais
aproxima-se da entrevista, todavia, esta não será estruturada e vinculada à
qualquer registro formal. Caberá à criança construir relações de memória, ao
contar e recontar suas experiências e conversas com seus familiares. A
perspectiva da constituição da memória consideramos que:
“A memória é sagrada, sempre emerge de um grupo, enquanto
que a História é uma operação intelectual, é uma reconstrução sempre
problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno
atual, um elo vivido no eterno presente, e a História uma representação do
passado. No entanto, ambas evocam o passado.” (RANZI, 2001, p.32)
E mais,
“Se a memória é socialmente construída, é óbvio que toda
documentação também o é. Para mim não há diferença fundamental entre fonte
escrita e fonte oral. A crítica da fonte, tal como todo historiador aprende a
fazer, deve, a meu ver, ser aplicada a fontes de tudo quanto é tipo. Desse
ponto de vista, a fonte oral é exatamente comparável à fonte escrita. Nem a
fonte escrita pode ser tomada tal e qual ela se apresenta.” (POLLAK, 1992, p.9)
Desta forma, nos aproximamos da concepção de Bosi (1994),
que a história de vida é uma narrativa da vida de cada um, uma maneira pessoal
como o sujeito reconstrói suas memórias, do modo como ele pretende que sua vida
seja narrada. Em sentido semelhante temos a afirmação de Paulilo (1999,
p.140-1): “Através da história de vida pode-se captar o que acontece na
intersecção do individual com o social, assim como permite que elementos do
presente fundam-se a evocações passadas. Podemos, assim, dizer, que a vida
olhada de forma retrospectiva faculta uma visão total de seu conjunto, e que é
o tempo presente que torna possível uma compreensão mais aprofundada do momento
passado.” Pois junto a sua história pessoal torna-se inevitável a constituição
da própria noção de temporalidade, sequenciamento, organização tempo-espaço, e
a relação direta com outras histórias de vida, seja dos pais, avós, tios e
outros familiares que apresentarão vivências significativas e práticas sociais
específicas acerca da vida da criança.
O projeto intitulado “Minha história – construindo a identidade pessoal
e social” foi escolhido para ser desenvolvido no início do ano letivo, com o
intuito de promover o autoconhecimento do aluno que está chegando à unidade
escolar, e proporcionar a este aluno o desenvolvimento do conhecimento próprio
e do meio histórico e social no qual esta inserido.
O que os alunos sabem sobre si? Sobre seu corpo? Sua família? Sua casa?
Sua nova escola? Como ocorrerá a adaptação destes alunos a nova unidade
escolar? Suas preferências em relação a brincadeiras?
O início dos alunos em uma nova unidade escolar gera expectativas,
ansiedade e até mesmo insegurança, desta forma para iniciar o ano letivo é
necessário desenvolver, transformar a sala de aula e todo o ambiente escolar em
um lugar acolhedor e seguro para os novos alunos, como também, este ambiente,
deve estimular, desafiar, organizar e desenvolver integralmente a criança, pois
é nesta fase de desenvolvimento que elas necessitam adquirir o conhecimento do
seu próprio corpo, das suas possibilidades e limitações; desenvolver e apurar
as suas preferências; reconhecer a sua família, a sua casa e a escola, entre
outras instituições como parte integrante de seu meio social, para que esta
criança possa se tornar um cidadão critico e ativo perante a sociedade.
Passeio pela escola para conhecer os espaços e os funcionários da
escola;
Leitura do Poema “Autorretato” de Mario Quintana apresentação imagem de
pintores e seus autorretrados Roda de conversa sobre autorretrato: quais eram
as características que mais chamavam a atenção entre a foto e autorretrato,
qual pate do corpo eles representavam? Posteriormente cada aluno realizou seu
autorretrato, utilizando o espelho para verificar as suas características, e
utilizamos o giz cor de pele (que possuem as diferentes tonalidades de cor de
pele) cada criança foi estimulada a reproduzir o seu autorretrado o mais
fielmente possível com a realidade. Sempre que necessário a criança era
questionada sobre o que estava faltando no seu desenho, de que cor era seu
cabelo, sua pele etc.
Após todos concluídos os seus autorretratos estes foram expostos em
mural para que todas as crianças pudessem observar as diferenças e as
semelhanças entre os autorretratos, cada criança fez o desenho do retrato de um
colega.
Posteriormente, fez-se a leitura do livro “Diversidade” de Tatiana
Belinky e uma roda de conversa sobre as diferenças e semelhas entre as
crianças, e a necessidade de direitos iguais para todos. Com a reprodução da
música “Minha Boneca de Lata” - e expressão dos movimento (tocar na parte do
corpo que a musica fala) desenho da boneca de lata. A representação corporal parte
para a consciência de si mesmo, e através de desenho obtêm-se uma representação
e tem início a construção do conhecimento de si. Esta representação foi obtida
com orientação das crianças divida em grupos, onde cada grupo deve escolher um
integrante, e este deve deitar sobre o papel kraft e ser contornado,
posteriormente as crianças do grupo deverão desenhar as partes do corpo que
estão faltando.
Feita
a leitura do livro “O livro da Família”
de Todd Parr e feita uma roda de conversa sobre o livro, indagando: Qual
trecho as crianças mas gostaram? Quais as imagens mais interessantes? Quais os
tipos de famílias que aparecem no livro? E a sua família é parecida com alguma
que estava no livro?
Após
a roda de conversa cada criança desenhará sua família numa folha separada para
exposição no mural. Procedeu-se a leitura do livro “Um amor de família” de
Ziraldo onde estão presentes os parentescos (pai, mãe, tio, tia, vô, vó, irmão
etc.) Roda de conversa: Quem são os personagens do livro? Vocês tem avós, tios
e primos? Vocês sabem o que é uma árvore genealógica? Apresentação
da árvore genealógica. Após a explicação, os alunos deverão construir a sua
própria árvore genealógica, que será exposta no mural externo a sala. A
atividade culminou com a elaboração de dois produtos: um Mural coletivo e um
álbum da vida individual.
“O uso da história oral, portanto deveria ser aplicado onde
os documentos convencionais não atuam, revelando segredos, detalhes, ângulos
pouco ou nada prezados pelos documentos formalizados em códigos dignificados
por um saber acadêmico que se definiu longe das políticas públicas. Aspectos
subjetivos, deformações dos fatos, mentiras, fantasias, ilusões, seriam, pois
elementos consideráveis para quem procura mais do que a ‘verdade’ os motivos
das ‘inverdades’.” (MEIHY, 2006, p.197)
A constituição de uma biografia de uma pessoa só pode ser identificada
quando este descobre sua história e ao produzir sua história, as reflexões dela
produzidas ultrapassam uma autobiografia. A constituição dos textos, discursos
e processos narrativos próprios na educação, mesmo através de representações e
imagens consubstanciam: “Os processos reflexivos de
interpretação que se expressam no conceito de textualização parecem ser uma
característica da própria autoconsciência, um fenômeno histórico que está na
origem da própria modernidade.” (CARVALHO, 2003)
Este projeto levou os alunos a questionar sua própria história,
compreender e conhecer os outros alunos que estavam começando na escola; debatendo
suas preferências; a forma como brincavam; os brinquedos que mais gostavam;
constituindo um conhecimento de si próprios. Desta forma o projeto foi se
moldando as necessidades das crianças realizando algumas brincadeiras
desconhecidas pela maioria dos alunos como pular carniça, brincadeira de roda
“o gato e o rato” e telefone sem fio; e a construção de brinquedos, onde cada
aluno construiu o seu brinquedo: telefone de latinha, boneca fantasma, jogos de
percurso e memória.
Foi proporcionada, a criança, o aprofundamento da sua relação com a
língua com atividades rotineiras de leitura e interpretação do significado da
língua oral e escrita, tanto coletivamente como individualmente, sempre
buscando a variedade de gêneros literários. Sentiu-se necessário acrescentar a
este projeto atividades em relação a educação para o trânsito, onde se teve
bastante retorno dos alunos durante as rodas de conversa e produções.
Referências
Ana Valeria Abbeg -
Mestranda em Educação: Teoria e Prática (UFPR)
Samara Elisana
Nicareta - Doutoranda em Educação (UFSC)
BOSI, E. Memória e sociedade. São Paulo: Companhia
das Letras, 1994.
CARVALHO, Isabel Cristina Moura. Biografia,
identidade e narrativa: elementos para uma análise hermenêutica. Horizonte Antropológico, Porto Alegre,
v. 9, n. 19, p. 283-302, Jul. 2003.
CRITELLI, D. História pessoal e
sentido de vida: historiobiografia. São Paulo: Educ/Fapesp, 2012.
MEIHY, J. C. S. B. Os novos rumos da história oral: o caso
brasileiro. Revista de História – USP, São Paulo, n.155, p.191-203,
2006. Disponível em http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/download/19041/21104
Acesso em 08 abr. 2016.
NICARETA, S. E.; ABBEG, V. A. J. O..
Imaginário social e literacia na educação histórica. BUENO, A.; ESTACHESKI, D.; CREMA, E. (orgs.). Por
um outro amanhã: apontamentos sobre aprendizagem histórica. Rio de
Janeiro/União da Vitória: Edição LAPHIS/Sobre Ontens, 2016. p.577-582.
PAULILO, M. A. S. A pesquisa qualitativa e a história de
vida. Serviço Social em Revista, Londrina, v.2, n.2, p.135-148, jul.-dez.,
1999. Disponível em http://www.uel.br/revistas/ssrevista/n1v2.pdf#page=135
Acesso em 07 abr. 2016.
POLLAK, M. Memória e identidade pessoal. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, p. 200-212, 1992. Disponível em http://www.hugoribeiro.com.br/biblioteca-digital/Pollak-memoria_e_identidade_social.pdf
Acesso em 07 abr. 2016.
QUEIROZ, M.I. Relatos orais: do “indizível” ao “dizível”.
In: VON SIMSON (org.) Experimentos com Histórias de Vida: Itália-Brasil. São
Paulo: Vértice, 1988.
RANZI, S. M. F. Fontes orais, História e saber escolar. Educar
em Revista, Curitiba, n. 18, p.29-42, 2001. disponível em www.scielo.br/pdf/er/n18/n18a04.pdf
Acesso em 07 abr. 2016.
Quais foram os principais desafios encontrados no desenvolvimento desse projeto com a Educação Infantil?
ResponderExcluirLóren Graziela Carneiro Lima
O principal desafio foi adequar a metodologia de trabalho historio-biográfico com crianças tão pequenas, investindo em atividades lúdicas diferenciadas.
ExcluirDe qual forma a história oral contribuiu pra sua vida acadêmica?
ResponderExcluiratt,
Kamily Alves da Silva
A história oral é uma metodologia de pesquisa, e também pode ser utilizada como recurso no ensino de história.
ExcluirEstas atividades foram desenvolvidas toda em um mesmo dia ou em período maior de tempo? Como este trabalho auxilia no aprendizado dos conceitos históricos? Qual o papel dos pedagogos e dos historiadores (aproximações e afastamentos)?
ResponderExcluirCláudio Correia de Oliveira Neto.
As atividades foram desenvolvidas durante três semanas de atividades, uma vez que se desenvolveu na forma de projeto. Na formação do sujeito histórico, cada pessoa deve-se reconhecer como "produtora" de sua própria história. Desta forma, podem ser desenvolvidos conceitos históricos, todavia, na educação infantil não se desenvolve conceitos, mas, noções de história, cronologia, temporalidade, entre outros. Com crianças tão jovens não podemos aferir um conceito histórico. O principal e talvez o único distanciamento é que o historiador, licenciado, não tem habilitação para lecionar na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental (característica de sua formação); e, por vezes, a formação em pedagogia não aborda adequadamente as metodologias de ensino de história, educação histórica, aprendizagem histórica, entre outros elementos que são necessários ao trabalho multidisciplinar empregado na educação infantil e anos iniciais. Quanto ao bacharelado, nem se precisa comentar, uma vez que se distancia do campo educacional formal e regular.
ExcluirMuito grato pelos apontamentos.
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