Bruno Ferreira Cardoso


HISTÓRIA EM QUADRINHOS E ENSINO DE HISTÓRIA:
CONSIDERAÇÕES INICIAIS PARA O PROCESSO DE APRENDIZAGEM


O presente artigo tem por finalidade apresentar as potencialidades da História em Quadrinhos na esfera educacional, mais precisamente, suas possíveis aplicações e diálogos com o Ensino de História. Logo, visamos trazer um levantamento de suas origens e produções voltadas ao tema, buscando entender as HQs como produtos do seu tempo na medida que apresentam debates do seu contexto inserido e a subjetividade de seus criadores. Para isso, esboçaremos através de exemplos como questões políticas, sociais e culturais de determinado recorte histórico podem ser trabalhadas dispondo das HQs como instrumento pedagógico.

Perspectivas sobre a educação: conhecimento e cultura escolar
Entendemos que é imprescindível esboçar algumas considerações acerca dos novos paradigmas da Didática da História. Desde os anos 70 do século passado, acompanhamos o rompimento de uma perspectiva tradicional sobre o Ensino de História. Estudos atuais apontam em direção à insustentabilidade do antigo saber escolar pautado apenas como um currículo simplificado produzido pela academia, que reforçava a separação e hierarquização do profissional de história entre o historiador, como produtor de conhecimento, e o professor como reprodutor desse conhecimento. A Didática da História não mais poderia ser entendida como a pedagogia revestida apenas de caráter técnico e a História limitada ao domínio do conteúdo.

O novo caminho traçado visa a construção de um saber escolar, cujos campos educacionais se encontram e se complementam com as diferentes realidades que compõem a comunidade escolar, onde a relação entre escola e culturas apresenta-se como um debate bastante expressivo. Um dos principais pontos gira em torno da construção do currículo escolar, que não consegue – ou não pretende - acompanhar as transformações e diferenças culturais e sociais. Entendido como uma tese, o currículo atual é uma escolha política intimamente ligado à uma construção identitária padronizadora, onde as diferentes culturas se perdem e se acomodam dentro de um projeto padronizador liberal.

Partindo desse ponto, diferentes profissionais ligados ao campo da educação procuram soluções para a constituição de um novo currículo. Paulo Knauss [2004] traça algumas considerações sobre esse tema. Para ele, o conhecimento deve ser entendido como leitura de mundo e que só pode ser alcançado pela produção do saber histórico de forma coletiva, através de uma metodologia dialógica entre professor e aluno, visto que a comunicação se estende na dimensão do conhecimento científico e no processo de aprendizagem. Uma das possíveis soluções seria partir do conhecimento comum para o científico, ou seja, tendo o referencial do aluno como ponto principal e reforçando a ideia de que é o aluno que ler o mundo enquanto o docente condiciona e orienta o corpo discente por esse processo.

Ana Maria Monteiro é um dos principais nomes ao se pensar em trabalhar a relação da escola e cultura. Em seu artigo “História ensinada: algumas configurações do saber escolar”, a autora busca mostrar a especificidade de uma cultura escolar, contestando a utilização puramente exclusiva do instrumental teórico da pesquisa histórica para análises de uma cultura que possui suas próprias dinâmicas. Esse instrumental na verdade deveria dialogar com aquele oriundo da pesquisa educacional [MONTEIRO, 2003, p.9].

É pensando nessa dinâmica de uma cultura escolar que Monteiro apresenta uma crítica contundente voltada para a posição racionalista do ensino que considera práticas não pautadas diretamente no saber científico como inferiores, de segunda, chocando com a ideia de especificidade, autonomia e produção do saber escolar. Como ela própria aborda:

“[...] as contribuições do conhecimento científico que está em constante processo de crítica e renovação são fundamentais. Mas precisamos compreender melhor como se dá produção do saber escolar, que envolve interlocução com o conhecimento científico, mas também com outros saberes presentes e que circulam no contexto sacio-cultural de referência” [MONTEIRO, 2003, p.11].

Nesse sentido, entre os conceitos trabalhados pela autora a mediação didática melhor parece se adequar à visão de uma cultura escolar dinâmica em que a construção do conhecimento se dá através de uma mão dupla – saber científico e comum - e é permeado por diferentes agentes sociais, culturais e políticos. Essa mediação não seria apenas uma ponte entre duas coisas, mas sim como um processo de constituição de uma realidade através de mediações complexas e contraditórias. Tal processo, além de didatização, implica também em um trabalho de axiologização, apontado por Develay, que expressa valores escolhidos pelos agentes da transposição - escolhas éticas. No caso da História:

“[...] Esse processo de axiologização é inerente também ao processo de produção do saber acadêmico, expressando opções e afinidades dos pesquisadores. A axiologização representa a opção feita no que tange à dimensão educativa, podendo expressar-se através da seleção cultural -ênfases -omissões -negações, através de aspectos inerentes ao chamado currículo oculto e também as formas como os professores mobilizam os saberes que ensinam.” [MONTEIRO, 2003, p.18-19]

Percebemos então que há uma busca para ampliação do que seria uma cultura da educação, onde práticas e paradigmas tradicionais não mais sustentam ou dão conta de todas as mudanças sociais e culturais. O conhecimento torna-se algo conjunto e a realidade dos alunos e professores essenciais na constituição de um novo currículo. É nessa visão de ampliação do ensino que propomos a inserção das HQs como instrumentos pedagógicos capazes de permearem e unirem as diferentes culturas e realidades presentes na comunidade escolar. Veremos a seguir.

Aplicações das comics no Ensino de História: um breve estudo de caso do século XX.
Como toda publicação intelectual e material, as Histórias em Quadrinhos trazem em suas páginas, referências à sociedade em que foi concebida e as perspectivas e pensamentos de seus idealizadores. Logo, ao analisarmos de forma mais minuciosa o conteúdo de suas páginas, percebemos um universo recheado de conceitos e informações, cujos personagens e histórias possuem viés político e ideológicos, além de respaldarem problemas sociais [DUTRA, 2002, p.6]. Traremos então exemplos de como poderia ser utilizado tal material em aulas que abrangem o século XX ao mesmo tempo que apontaremos os diferentes anseios que tais HQs abarcavam em sua constituição.

Ao olharmos para um tema que abrange a Segunda Guerra Mundial, o docente pode facilmente se utilizar de tais instrumentos pedagógicos para a constituição da aula, pois nesse período as HQs propiciaram o alastramento dos ideais norte-americanos e seus valores democráticos contra o nazifascismo do Eixo. O Capitão América, personagem da editora Marvel Comics que literalmente vestia as cores dos Estados Unidos, poderia ser a base para o conteúdo ministrado. A própria capa da primeira edição da revista já possibilita diferentes camadas de análises. Nela, observamos o personagem protagonista da revista socando o ditador alemão, líder do movimento Nazista, Adolf Hitler. Entre as diversas observações possíveis, podemos seguir caminhos para se apontar em como a revista servia como propaganda de guerra e até mesmo como um incentivo aos jovens para o alistamento e defesa de seus país [NACHTIGALL, 2014, p. 187].



Fig.1. Capitão América socando Hitler (Captain América Comics #1, de Jack Kirby e Joe Simon, 1941)

Ainda no mesmo tema, o docente poderia até mesmo abordar a questão da Segunda Guerra Mundial pelo viés não do conflito em si, mas pelos males causados por ele. A História em Quadrinhos Maus: a história de um sobrevivente, de Art Spiegelman, retrata bem o holocausto onde o autor narra a trajetória do seu pai judeu durante o regime nazista. Esse tipo de abordagem possibilita despertar a sensibilidade dos alunos, além de trazer uma inversão, onde a história é contada pelo lado perdedor e sai um pouco do domínio dos grandes poderes.

Posteriormente, a Guerra Fria também ganhou embasamento dentro das Histórias em Quadrinhos. Ela trouxe um período onde ideologias não eram apenas impostas através de guerras e conflitos, sendo o domínio cultural e tecnológico importantes fatores que constituem o cenário Pós Segunda Guerra. As comics de super-heróis foram se adaptando ao período, onde percebemos que muitos poderes e habilidades passaram a tentar se explicados com embasamento científico, como o Lanterna Verde, cujo anel deixou de ser mágico e ganhou uma explicação tecnológica de origem extraterreste [NACHTIGALL, 2014, p. 189].

A própria História das HQs durante o século XX pode vir a ser tema de aula, tornando-se uma amalgame de instrumento pedagógico e objeto de estudo. Com a avalanche de histórias com temáticas “super” e a reformulação das origens de seus poderes, há também o surgimento de um código de censura imposto nas HQs durante a década de 50, conhecido como Comics Code Authority (CCA). Sua implantação é recorrente da preocupação de que as HQs poderiam ser danosas ao público jovem, os desmoralizando e incentivando atos violentos e rebeldes, sendo necessário a criação de um código de ética que controlasse o tipo de conteúdo que poderia ser abordado [NACHTIGALL, 2014, p. 188]. João Guerra aprofunda mais essa questão ao demonstrar publicações que serviam de base para esse código:

“A chamada “Era do Código” representou o quarto período dos quadrinhos iniciado em 1954. Seu nome era derivado do Comics Code Authority (CCA) criado em 1954 pelas empresas de quadrinhos que se uniram para a criação de um sistema de controle interno. Sua implantação foi consequência do livro A Sedução do Inocente (Seduction of the Innocent) do psiquiatra Frederic Wertham. Nesse livro, Wertham considerou subversivas as revistas em quadrinhos, acusando-as de corromper os jovens, levando-os à delinquência. Marcado pelo conservadorismo, o período foi muito influenciado pelo Comics Code que tinha o objetivo de impor uma autocensura nos comic books antes que elas fossem para o público.” [GUERRA, 2016, p.7]

Contudo, podemos olhar essa censura também pelo prisma do contexto mundial da Guerra Fria. Ela pode ser entendida como uma estratégia visando reforçar os valores considerados ideais para o povo norte-americano em um período (Guerra Fria) cujas ideologias capitalistas e comunistas estavam em conflito. Era um tópico comum nas HQs que os oficiais da lei nunca estivessem errados, além de mascarar normas conservadoras, como nas histórias voltadas ao público feminino, onde eram delegados às mulheres como elas deveriam se comportar e agir.

Expandindo as HQs para questões atuais
Não é apenas no século XX que podemos encontrar temas de análises sociais, políticos e culturais nas Histórias em Quadrinhos. Embora nossas funcionalidades críticas e empíricas possam se tornar cada vez mais difíceis a medida que nos aproximamos de uma história do tempo presente, já que muitas vezes estamos vivenciando a época, não devemos perder o foco e olhar analítico acerca das comics.

Como um ponto norteador desse debate, as questões de representatividade começaram a ganhar cada vez mais espaço nas HQs atuais, dialogando com a tensão entre os movimentos sociais. O antigo personagem Lanterna Verde Allan Scott, criado em 1940, ganhou uma nova roupagem após a DC Comics o apresentar como um super-herói gay em 2012, o que gerou resistências ao longo de diversos países, como no Brasil onde o autor da HQ chegou a comentar que a reação foi muito extremista. Logo, podemos perceber que essa notícia permite analisar essa HQ com uma abordagem acerca da temática LGBT, cujas pautas se fortaleceram ao longo do século XXI.


Fig.2. Alan Scott e seu namorado (Earth 2 #2, de James Robinson e Nicola Scott, 2012)

Outro exemplo também da tentativa de romper preconceitos e colocar as Histórias em Quadrinhos em diálogo com os principais assuntos sociais e globais, pode ser visto através de outro Lanterna Verde, sendo mais específico, Simon Baz. O que diferencia este Lanterna do Alan Scott não foi uma abordagem acerca da sua orientação sexual, mas sim sua origem étnica: um muçulmano que vive nos EUA pós atentados as Torres Gêmeas. Sua história consiste então em sua vivência numa sociedade que o persegue por conta da sua religião, onde a todo momento tem que provar que não é um terrorista e se afirmar como um cidadão norte-americano:

“Simon: É por isso...é por isso que eu tava roubando carros. Eu precisava de dinheiro.
Agente federal 1: Por quê?
Simon: Pro filho da minha irmã. Sem o Nazir, ela tá criando o menino sozinha.
Agente federal 2: Explodir a fábrica foi uma vingança pessoal ou uma mensagem de outra pessoa?
Simon: Eu não sabia para onde ir. Eu não sabia o quão grande a bomba era.
Agente federal 2: Era grande. Grande o suficiente para derrubar todo o prédio. Mas então, quem o ajudou a orquestrar o plano? Onde o senhor se encaixa nisso?
Simon: Eu sou um ladrão de carros, não um terrorista.” [JOHNS, 2012; MAHNKE, 2012]

O diálogo acima se passa na primeira edição – Lanterna Verde #0 de de Geoff Johns e Doug Mahnke, 2012 - em que o personagem aparece, onde este ao roubar uma van, acabou transportando uma bomba com ela sem seu conhecimento. Esses exemplos são apenas algumas possibilidades de demonstrar que as Histórias em Quadrinhos ainda se mostram como um grande campo de estudo e de influência social, na medida que acompanha e se modifica junto com o seu contexto histórico. Nos casos acima, uma abordagem sobre a temática do preconceito, seja étnico ou de orientação sexual, como estigma social poderia ser um caminho de análise e compreensão para os alunos das principais questões sociais que transcorrem em seu dia a dia, além de uma identificação com o conteúdo de suas páginas. Justificamos isso ao chamarmos a atenção para o sucesso de grandes produções, principalmente cinematográficas, que foram adaptadas de HQs, onde não podemos deixar de citar os filmes do Pantera Negra e Homem-Aranha no Aranhaverso, cujos protagonistas são negros.

Referências
Bruno Ferreira Cardoso é bacharel em História pela UERJ. O trabalho foi orientado pelo Prof. Dr. Carlos Eduardo da Costa Campos ATRIVM / UFMS.

CASSONI, R. Censura nas HQs: o Código dos Quadrinhos. Disponível em: http://maxiverso.com.br/blog/2016/09/11/censura-nas-hqs-o-codigo-dos-quadrinhos/ Acessado em: 05 mar. 2019.
DUTRA, Joatan Preis. História & História em Quadrinhos - A utilização das HQs como fonte histórica político-social. Trabalho de conclusão de curso (História)- Centro de Filosofia e Ciências Humanas – Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2002.

GUERRA, F.V. A crônica dos quadrinhos: Marvel comics e a história recentes dos Estados Unidos (1980-2015). Tese (Doutorado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia - Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2016.

JOHNS, Geoff; MAHNKE, Doug. Green Lantern #0, 2012. Disponível em: https://www.dccomics.com/comics/green-lantern-2011/green-lantern-0. Acessado em: 05 mar. 2019.

KIRBY, Jack; SIMON, Joe. Captain America Comics #1, 1941. Disponível em: https://www.marvel.com/comics/issue/7849/captain_america_comics_1941_1. Acessado em: 05 mar. 2019.

KNAUSS, Paulo. Sobre a norma e o óbvio: a sala de aula como lugar de pesquisa. In: NIKITIUK, Sônia L. (org) Repensando o Ensino de História. 5ed. São Paulo: Cortez, 2004. p.29-50.

LOPES, AR.C. Conhecimento escolar: processos de seleção cultural e mediação didática." In: Educação & Realidade. 22(1):95 -112.jan-jun, 1997.

MONTEIRO, Ana Maria. História ensinada: algumas configurações do saber escolar. História & Ensino. Londrina, v. 9, out. 2003, p.9-35.

NACHTIGALL, L. S. Super-heróis da década de 1960: Guerra Fria e mudanças sociais nos comics norte-americanos. In Faces da História, v. 1, 2014, p.186-205.

ROBINSON, James; SCOTT, Nicola. Earth 2 #2, 2012. Disponível em: https://www.dccomics.com/comics/earth-2-2012/earth-2-2. Acessado em: 05 mar. 2019.



13 comentários:

  1. Boa tarde professor Bruno!
    Eu me identifico muito com a temática abordada em seu artigo. Parabéns pelo ótimo trabalho apresentado.
    Trabalhar conteúdos históricos a partir das HQs é um método de ensino que, a meu ver, exige bastante dedicação por parte do docente em termos de preparação de planos de aula e adequação aos assuntos a serem abordados.
    Na minha experiência como estagiário de História durante quatro semestres, tive a oportunidade de estagiar com quatro professore(a)s de História. Mas nenhum deles apresentou em sua didática o trabalho com Histórias em Quadrinhos, da forma como está sendo abordada em seu artigo. É comum essa falta de apropriação das HQs como recurso didático entre os professores de História?
    O ensino e a aprendizagem de História pode se tornar um processo no qual aluno e professor poderão interagir mais, proporcionando dentro deste processo, uma troca de saberes e enriquecimento cultural e social. Este processo pode ser conduzido através de diversos recursos dos quais podemos destacar:
    De fato, o uso de ferramentas pedagógicas diferenciadas – filmes, pesquisa na Internet e histórias em quadrinhos on line – trazem importantes contribuições para a contextualização dos processos históricos e despertam o interesse e a curiosidade do estudante para o aprendizado de História. Contudo, seu uso deve ser supervisionado e acompanhado de outros métodos tradicionais, enfatizando a dialogicidade, para evitar o erro da simplificação de questões complexas, interpretações parciais e questionáveis e a reprodução de informações sem qualquer associação crítica com a realidade, passada ou presente, que, em última instância, é o que caracteriza o ensino de História. (SCHUTTZ, 2015, p. 154-155).
    Edgar Silva dos Santos

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    1. Olá Edgar!
      Primeiramente, gostaria de agradecer o interesse pelo tema e seu comentário, que procurarei responder em duas partes. A primeira diz respeito ao questionamento da falta de apropriação das HQs como recurso didático e a segunda no que diz respeito aos cuidados a serem tomados com o uso desse instrumento pedagógico.
      Durante minha vida escolar e os estágios feitos durante a graduação, não lembro de nenhum(a) professor(a) ter trabalhado com Histórias em Quadrinhos. Outros instrumentos pedagógicos foram utilizados, como música, filmes e até mesmo tirinhas. Contudo, a HQ propriamente dita, cuja linguagem e construção são únicas, não pude observar.
      Consigo delinear alguns pontos que levam para o pouco uso de HQs em sala de aula:
      A) Primeiro, o principal que irá apontar a possibilidade do uso ou não é a questão da existência de uma estrutura que permita o desenvolvimento do trabalho. Uma HQ une tanto elementos textuais quanto imagéticos. Logo, a impossibilidade de trazer a abordagem deles, seja por falta de recurso material ou disponibilidade de tempo, se torna um grande empecilho.
      B) Outro ponto que entendo como dificultador é muitas vezes a falta de afinidade do profissional com as Histórias em Quadrinhos, gênero que ao meu ver sempre foi mais de nicho. Acredito que entender o funcionamento de uma comics não é tão simples quanto parece, principalmente o estilo mais popular ligado aos super-heróis. Se a falta de conhecimento for muito grande, conceitos como retcon, reboot, universo compartilhado, mudança de status quo constante entre os personagens, diferentes runs de roteiristas, existência de HQs mensais, mini-séries, graphic novels acabam sendo elementos que irão dificultar na utilização em sala de aula. Ora, por isso que se formos trabalhar com o Homem Aranha por exemplo, devemos nos perguntar de qual Homem Aranha estamos falando, cuja existência tem mais de 60 anos. O amigão da vizinhança preocupado com questões sociais ou aquele herói que está combatendo algum alienígena?
      C) Por último e não menos importante, encontramos a questão da falta de inovação na construção da aula, seja por diretrizes da escola ou por elementos citados acima. Infelizmente ainda observamos muitas aulas que se pautam apenas numa abordagem conteudista de História, mesmo que esse quadro felizmente esteja se transformando. A falta de diálogo entre o docente e o discente acaba obstruindo a dinâmica de sala de aula e a construção de uma Cultura Escolar, indo contra à visão de um ensino de História que leve em conta as diferentes realidades existentes dentro de uma sala de aula.

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    2. Sobre a segunda parte de seu comentário, gostaria de destacar alguns pontos da citação utilizada por você: “interesse” “dialogicidade” e “interpretações parciais e questionáveis”. Para abordar esses elementos, gosto de um exemplo em particular que é a série de jogos eletrônicos conhecida como Assassin’s Creed.
      Na época dos seus primeiros jogos e fase de maior sucesso, lembro de observar em comunidades do game comentários como “aprendi mais História com o jogo do que em sala de aula” ou “me interessei mais em estudar História”. Essas frases nos permitem reflexionar pelo menos em dois pontos: o sucesso do jogo em estabelecer uma linguagem histórica com o público e até quando o jogo seria benéfico ao Ensino de História, visto que muitos elementos não se baseiam em fontes históricas. Podemos levar essas reflexões para as HQs.
      Devemos enxergar as HQs não só como uma arte, mas também como veículo midiático de massa. Elas são produtos comerciais e influem diretamente com a cultura de determinado lugar, atingindo um amplo aspecto da sociedade. Seus temas são desde preocupações e tensões sociais, representatividades, até a defesa da nação e, exaltação ou crítica, de suas ideologias dominantes. Como abordado no livro Cultura da Mídia de Douglas Kelnner:
      Os estudos apresentados nesse livro dão-nos a convicção de que as situações locais, nacionais e globais dos nossos dias são articuladas entre si por meio dos textos da mídia; esta, em si mesma, é uma arena de lutas que os grupos sociais e rivais tentam usar com o fim de promover seus próprios programas e ideologias, e ela mesma reproduz discursos políticos conflitantes, muitas vezes de maneira contraditória. Não exatamente o noticiário e a informação, mas sim o entretenimento e a ficção articulam conflitos, temores, esperanças e sonhos dos indivíduos e grupos que enfrentam um mundo turbulento e incerto (KELLNER, 2001, p.32).

      Logo, entendemos o motivo da sociedade se interessar por esses produtos. Eles são construídos para que a linguagem seja clara, direta e acessível. Isso pode levar à desfiguração de eventos históricos ou interpretações equivocadas, pois muitas vezes o conteúdo histórico é apenas um pano de fundo para outras questões sociais. Mas isso inviabilizaria o uso das HQs em aula? Ao meu ver, claro que não. Apenas devemos seguir uma outra abordagem, que seria a desconstrução da História em Quadrinho mostrando o que é ficção e o que procede como histórico. Podemos também, como dito no artigo, procurar entender o contexto no qual determinada HQ foi concebida. Ou seja, até na falta de associação crítica com a realidade podemos construir uma boa aula de História, destrinchando o material que temos em mãos. E que melhor momento para se fazer isso, onde filmes baseados em HQs estão fazendo um sucesso estrondoso e despertando o interesse do público?
      Enfim, desculpe pelos comentários grandes Edgar, mas espero que tenha contribuído com suas dúvidas.

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    3. Seguindo as normas do simpósio, afirmo que os comentários acima são de minha autoria.

      Bruno Ferreira Cardoso

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  2. Olá, excelente texto!!

    O que você acha das plataformas digitais para ler quadrinhos online (os famosos scans)? Acredita que possam ser usadas em aulas de história com HQ’s?

    DALGOMIR FRAGOSO SIQUEIRA

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    1. Olá Dalgomir! Obrigado pela participação.
      Não sei se compreendi muito bem a sua questão. Você se refere ao uso em termos legais de scans ou a pergunta foi mais direcionada mesmo ao seu uso pedagógico? Contudo, tentarei responder essas duas coisas.
      Não vejo problemas em utilizar as scans, visto que algumas empresas disponibilizam a leitura digital para venda e até mesmo oferecem algumas delas de forma gratuita. Quanto ao uso em sala de aula, enxergo como a melhor forma. Primeiro, pela acessibilidade, visto que seria muito mais difícil trabalhar com uma HQ específica em sala com ela estando apenas impressa, salvo que alguma atividade seja realizada e a revista (ou revistas) seja necessária para o desenvolvimento do trabalho. Em segundo lugar que ao utilizar de forma digital, o(a) professor(a) pode editar a revista e até mesmo fazer apontamentos durante a aula sem estragar o material. Enfim, as plataformas digitais acabam oferecendo uma grande acessibilidade ao profissional e aos alunos.

      Bruno Ferreira Cardoso

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  3. Olá Bruno.

    Gostei muito da temática que foi apresentada. Acredito ser importante trabalharmos temas difusos na atualidade, debate-los e posicionarmos a respeito, ainda mais, com uma abordagem didática diferenciada e bastante eficaz, visto que os jovens, hoje, acabam apreciando bastante e possuindo conhecimento sobre as HQ's.
    Minha dúvida aqui, vem do fato de perceber que foi citado em seu artigo HQ's de grandes empresas, e por isso poderia se tornar questionável o viés crítico de tais conteúdos, visto que eles poderiam os colocar apenas como chamarizes de um público talvez à par de seus produtos?
    Também gostaria de saber, se levantar tal indagação pode se tornar pertinente, ou apenas parecer uma crítica vaga, visto que não podemos saber o que os criadores e produtores pensaram ao apresentar esse viés crítico em suas comics?

    Obrigado, Henrique Ramansini Pinto.

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    1. Olá Henrique! Agradeço bastante pelas indagações e participação.
      É claro que essas preocupações são importantes, pois faz parte ter esse olhar crítico acerca de qualquer fonte e material produzido. Sobre as HQs de grandes empresas, eu mesmo reconheço, como apontei ao responder o Edgar, que elas além de serem consideradas uma forma de arte, também podem ser vistas como um veículo midiático de massa. Ou seja, faz parte de sua produção levar em consideração as principais questões sociais e políticas que rondam determinada sociedade. Então é normal que usem isso para atrair seu público.
      Douglas Kellner em seu livro Cultura da Mídia, que deixo como sugestão, aborda essas questões. O autor demonstra uma cultura midiática que se apresenta como caráter comercial buscando o lucro privado e o acúmulo de capital, almejando assim uma grande audiência através do tratamento de assuntos e preocupações atuais da sociedade. A mídia então é capaz de trazer nela diferentes ideologias, tanto as que são a favor da manutenção do status quo quando as contrárias a ela devemos aprender a ler de forma crítica essa mídia (KELLNER, 2001).
      Contudo, por mais que tenha na HQ a marca de uma empresa, não devemos nos esquecer que quem as escreve são pessoas. Há então sensibilidades, o subconsciente, onde esses indivíduos vão traduzir o mundo em razões e sentimentos, expressos em atos, ritos, palavras, imagens e objetos da vida real (PESAVENTO, 2012). Ou seja, na HQ vai ter a marca do(a) artista e consequentemente a forma como ele(a) enxerga o seu contexto e expressa sua subjetividade. Mas como vamos saber o que o(a) roteirista pensa?
      Da mesma forma que quando estamos lendo um livro ou fazendo uma resenha, procuramos saber sobre quem escreveu, pois assim somos capazes de entender melhor a obra ou até mesmo a enxergar sob outra ótica. Podemos também no caso das HQs procurar outras revistas feitas pelo(a) roteirista em questão, para que de forma comparativa, busquemos elementos comuns (ou não) entre elas. Além disso, entrevistas também podem nos ajudar a entender como surgiu determinada HQ.

      Bruno Ferreira Cardoso

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  4. Achei o artigo muito interessante e bastante instrutivo. Sou aluno do 2 período de História na UFMA, e alguns meses faço parte do Pibid em uma escola pública da minha cidade.
    Um dos grandes desafios que tenho notado, em todo esse período em que pude está com a professora em sala de aula talvez seja o de fazer com que os alunos não somente absorvam o conteúdo, mas se tornem questionadores, críticos.
    Muitos são os desafios, e barreiras a serem vencidas. Principalmente em fazer com que eles se interessem pelo assunto.
    Essa proposta das HQs é de fato muito interessante.
    A minha pergunta é, além do ótimo instrumento pedagógico e de incentivo que as HQs são, de que formas a mais poderíamos fazer com que esses alunos enxergem a sua realidade por meio dessas histórias, uma vez que um dos grandes desafios do ensino hoje em dia, é também fazer com que os alunos se vejam como sujeitos históricos de sua próprias realidades?

    Hyago Augusto Barbosa Rodrigues.
    Hyago.augusto@live.com

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    1. Olá Hyago!
      De fato, existem muitas barreiras a serem vencidas, principalmente no atual contexto que vivemos onde se busca negar a História. Respondendo a sua pergunta, entendo que o atual Ensino de História vai ao encontro justamente pela busca desse protagonismo e representatividade dos alunos. Logo, acredito que o(a) professor(a) em primeiro lugar deve sempre conhecer a turma que está dando aula, pois pouco adiantaria o profissional apresentar um material que diverge completamente da realidade dela. Por exemplo, se os alunos são em grande maioria de renda baixa e vive em um lugar cuja violência é constante, não seria melhor apresentar um Luke Cage do que um Homem de Ferro?
      Mas as HQs conseguiriam cumprir esse papel de representatividade e protagonismo? Tudo indica que sim e o momento é propício ao seu uso. Podemos citar o Oscar, que já premiou filmes como Pantera Negra e mais recentemente Homem Aranha no Aranhaverso. E quais as origens desses personagens? HQs. Então por mais que pareça complicado e um grande desafio fazer os alunos perceberem que são sujeitos históricos ativos e embora toda a conjuntura social aponte para um retrocesso em questões sociais, nós possuímos materiais para trabalhar toda essas questões.
      Bruno Ferreira Cardoso

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  5. Boa noite, Bruno!
    Atualmente estou com um trabalho sendo desenvolvido, juntamente com alunos de uma escola da rede municipal da cidade em que moro atualmente, que consiste na criação de HQ'S tendo como base os conteúdos do livro didático. Por mais que eu tentasse esclarecer a importância desse tipo de trabalho a alguns colegas de outras disciplinas e até mesmo outros professores de História que também lecionam na escola, por mais que eu tente estabelecer parcerias, ainda encontro muita resistência e falas ultrapassadas em relação a didática da disciplina. Quais sugestões você poderia dar para tentar transformar a mentalidade de professores que resistem a mudança na metodologia do ensino de História?
    Agradeço a atenção antecipadamente.

    RICLEUMA MARIA FERREIRA MOTA

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    1. Olá Ricleuma. Gostaria em primeiro lugar de lhe parabenizar pela sua iniciativa. É muito bom ver uma professora que quer expandir as metodologias de ensino. Sobre a sua pergunta, infelizmente não posso lhe oferecer uma solução ou resposta.
      Embora a atual Didática da História aponte para o caminho que você está seguindo, compreendo que ainda há resistência e engessamento de antigas metodologias. Em um dos estágios que fiz durante a faculdade, fui assistir aulas na escola que estudei durante todo o fundamental e fiquei surpreso ao ver que era como se eu estivesse recebendo a mesma aula de anos atrás.
      Como eu já disse, não tenho uma solução para isso. Contudo, acredito que não deva desistir do seu trabalho. Mesmo que não receba apoio dos colegas e talvez não consiga concluir o seu trabalho na escola, há sempre a possibilidade de transformar em um projeto e procurar contatos que compartilhem de suas metodologias. Acredito que a própria construção desse Simpósio seja um exemplo de que há sempre profissionais buscando expandir as formas de Ensino de História e a sua própria iniciativa também é outro exemplo.
      Enfim, desejo que consiga realizar o seu trabalho e a parabenizo mais uma vez por isso.

      Bruno Ferreira Cardoso

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