Natanael de Freitas Silva


“ESCOLA SEM PARTIDO” E A “IDEOLOGIA DE GÊNERO”: PÂNICO MORAL E ATAQUE À EDUCAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

   
O Programa “Escola Sem Partido” (ESP) é capitaneado pelo advogado Miguel Nagib (BEDINELLI, 2016) que, em diversas intervenções públicas tem se colocado como um ativista no combate ao que ele e seus congêneres chamam de “doutrinação política e ideológica na sala de aula” e “usurpação do direito dos pais sobre a educação moral e religiosa de seus filhos”, principalmente nas escolas e universidades públicas. Além disso, buscam defender o homeschooling, projeto que divide parte da sociedade e das autoridades políticas (IDOETA, 2018; RAMALHO, 2018; GUIMARÃES, 2019). Assim e tendo como ponto de partida o Programa Escola Sem Partido, cujo projeto busca alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), censurar e criminalizar a atuação docente (PENNA, 2016; FRIGOTTO, 2017), neste artigo, busco refletir sobre a atual conjuntura de ataques aos princípios democráticos da educação pública através da tentativa de criminalização de saberes voltados à inclusão da diversidade étnico-racial/gênero/sexual no repertório pedagógico. 

Programa Escola Sem Partido
Segundo o professor Fernando de Araújo Penna (2016), que também é uma das vozes do movimento “Professores Contra o Escola Sem Partido” o ESP surgiu no Rio de Janeiro, em 2015, a partir da articulação entre o deputado estadual Flávio Bolsonaro, hoje senador, e o advogado e coordenador do ESP, Miguel Nagib. O projeto de Lei nº 2974/2014, foi apresentado à Assembleia Legislativa do estado do Rio de Janeiro (Alerj) em 15 /05/2014. Por sua vez, o vereador do munícipio do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, apresentou o mesmo projeto, com poucos ajustes, em 03/06/2014 (PL 867/2014). O principal lema desse movimento é: “por uma lei contra o abuso da liberdade de ensinar”. Isto é, um movimento que se iniciou no Rio de Janeiro, vem ganhando força de maneira que projetos similares se espalham por todo o país, conforme elenca o blog “Pesquisando o Escola sem Partido”. Em 2015, o deputado federal Izalci (PSDB-DF) apresentou o PL 687, que objetivava a inclusão, na LDB, do ESP. Em 2016, o senador Magno Malta (PR/ES) apresentou o PL 193 que buscava implementar o ESP em nível nacional. Todavia, em novembro de 2017, o mesmo retirou o projeto de tramitação.
 Em 29 de maio de 2017, a Câmara Municipal de Niterói (MOURÃO, 2017), recebeu audiência pública sobre o ESP. O vereador Tarcísio Motta (PSOL), foi um dos debatedores contrários a aprovação do projeto. Deve-se ressaltar que, naquela ocasião, o ministro do STF, Roberto Barroso, tinha concedido uma liminar (21/3/17), que suspendia na íntegra a “Lei da Escola Livre”, aprovada pela Assembleia Legislativa de Alagoas. Tal lei, apesar do nome, determinava a “neutralidade” dos professores e previa punição a quem manifestasse opinião em sala de aula. Assim, em Niterói, o projeto foi arquivado. Por conseguinte, em 12 de novembro de 2018, o Governador do Maranhão Flávio Dino (PCdoB) emitiu um decreto contrário a tentativa de cerceamento da prática docente, a partir do artigo 206 da Constituição Federal. Semelhantemente, O Conselho Estadual de Educação no Ceará, publicou no Diário Oficial do Estado (DOE-26/12/18), uma resolução garantindo liberdade de expressão e de ensino ao professor e que toda tentativa de gravar, filmar e fotografar aulas na intenção de violar direitos, estão proibidas.
Por seu turno, uma das defensoras do ESP, Ana Caroline Campagnolo, eleita deputada estadual em 2018 (PSL-SC), em sua página no Facebook, incitava os alunos a gravar e denunciar professores/as que estivessem praticando “doutrinação”. Após denúncias, o Ministério Público de Santa Catarina entrou com uma ação contra ela. Porém, no último dia 24/01/2019, a desembargadora Maria Santa Ritta suspendeu a liminar que a proibia de usar suas redes sociais para incitar os alunos. A principal tática é fazer com que alunos e pais usem um “modelo de notificação extrajudicial” contra a chamada “doutrinação”. Isso não tem um valor efetivo legal, mas, instaura uma autocensura e incita a escola a controlar, ainda mais, os docentes. Por sua vez, o ministro Luiz Edson Fachin (D’AGOSTINO, 2019), suspendeu a decisão da desembargadora, reativando a liminar anterior. Como diz Foucault, “a impressão de que o poder vacila é falsa, porque ele pode recuar, se descolar, investir em outros lugares [mas] a batalha continua” (1979, p. 146). Deste modo, para proteger e instruir os docentes como agir em situações de assédio e censura, a ANDES-SN (2019), disponibilizou duas cartilhas que abordam a perseguição aos docentes em sala de aula: Liberdade de cátedra, de ensino e de pensamento e Manual de Defesa contra censura nas escolas.
‘Ideologia de gênero'
Um elemento força desse projeto é o combate a “ideologia de gênero”. Tal prerrogativa se tornou o eixo de atuação e aliança política entre segmentos religiosos distintos e até díspares entre si. Católicos, evangélicos e espíritas, apesar das discordâncias doutrinárias e de práticas, se aliaram em defesa de um modelo de família que estaria sendo ‘destruída’ pelos movimentos feminista e LGBT. Assim, o principal alvo é combater o casamento homoafetivo; a criminalização da homofobia; a implementação de políticas de saúde pública pró-aborto e igualdade de gênero.
O termo “ideologia de gênero” surgiu na produção dos discursos de clérigos católicos como uma reação ao uso do conceito de gênero em acordos internacionais como a IV Conferência das Nações Unidas sobre a Mulher em Beijing (1995). Intelectuais laicos e lideranças religiosas católicas “cunharam a noção de ‘ideologia de gênero’ para sintetizar o que compreendem como divergência entre o pensamento feminista e seus interesses” (MISKOLCI, 2018, p. 4). Efetivamente, o termo se popularizou a partir do pronunciamento de autoridades cristãs como, até então, do Cardeal Joseph Ratzinger (1997), ao dizer que o gênero contradizia o catolicismo e forjava uma nova antropologia, uma (re)definição do humano (MISKOLCI; CAMPANA, 2017, p. 726). Em 1998, essa terminologia se disseminou na Conferência Episcopal da Igreja Católica do Peru, sob o tema: “A ideologia de gênero: seus perigos e alcances”. Ainda em 1994, um documento intitulado “Evangélicos Y católicos juntos: La misión Cristiana em el tercer milenio” foi publicado e assinado por autoridades católicas e evangélicas norte-americanas que buscavam combater a secularização que ameaçava enfraquecer as igrejas nas sociedades desenvolvidas. Desde então, na pauta de caráter moral, esses grupos se aliam numa espécie de ecumenismo intrarreligioso na manutenção da ordem social que sustenta suas hierarquias eclesiásticas.
Em 2010, o advogado argentino, Jorge Escala, publicou o livro La ideología del género. O el género como herramienta de poder, traduzido para o português como Ideologia de gênero: neototalitarismo e a morte da família, em 2017. Segundo Miskolci e Campanha, para este autor, a “ideologia de gênero” é uma espécie de instrumento político-discursivo de “alienação com dimensões globais que busca estabelecer um novo modelo totalitário com a finalidade de “impor uma nova antropologia” a provocar a alteração das pautas morais e desembocar na destruição da sociedade (2017: 725). Em vista disso, os agentes que atuam contra a chamada “ideologia de gênero”, majoritariamente  
 são religiosos, dentro da Igreja Católica, de vertentes religiosas neopentecostais, seguidores laicos dessas religiões, pessoas que se engajam na luta por razões simplesmente éticas, morais e/ou políticas as mais diversas e não são necessariamente da sociedade civil, mas podem atuar dentro de instituições e até mesmo do governo” (MISKOLCI, 2017, p. 730).
O movimento catalisado pelos agentes da “ideologia de gênero” não acontece somente no Brasil, passa pela Europa e também por outros países da América Latina como Chile, Costa Rica, Peru, tema abordado pelo documentário Género Bajo ataque. Se valendo de um exército de pessoas convertidas, convencidas e comprometidas com o que eles denominam de “trazer o governo de Deus à terra”, muitos desses agentes, no Brasil, tem produzido literatura que doutrina seus adeptos. Por exemplo, o livro Plano de poder: Deus, os cristãos e a política, lançado em 2018, pelo Bispo Edir Macedo. Nele, o autor explica como os evangélicos devem agir para ocupar o seu lugar na política de modo a modificar e ‘santificar’ a sociedade brasileira. No entanto, apesar da maioria dos segmentos religiosos serem contra o aborto, Edir Macedo mantém uma posição favorável. E isso não parece impedir que o seu discurso tenha tantos adeptos.

De modo similar, tem-se o livro Sete Montes, do boliviano Fernando Guillen, lançado na Igreja Batista da Lagoinha, da família Valadão, em Minas Gerais, em 2009. A partir de uma releitura dos textos do Antigo Testamento, o autor desenvolve uma metáfora para elaborar um manual de como a igreja deve agir para conquistar e dominar a sociedade implantando um governo teocrático. Para isso, ele nomeia os 7 montes como sete áreas da vida social, a saber: artes e entretenimento; mídia e comunicação; governo e política; educação e ciência; família; economia e negócios; igreja e religião. Não é por acaso que boa parte dessas denominações neopentecostais e católicos, no Brasil, busquem comprar horários na tv (ou adquirir canais próprios).
De fato, esses autores com seus discursos e pronunciamentos buscam sistematizar como os evangélicos devem se aproximar e tomar o poder político. Logo, é perceptível que as áreas mais sensíveis e abertas a essa incursão é a mídia e a educação. Não é por acaso que a ministra Damares Alves, que é pastora na igreja da Lagoinha, declarou que “é o momento da igreja governar“ e que “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”. Essas falas não podem ser entendidas como meras expressões anedóticas, de fato, elas expressam uma visão de mundo avessa a toda e qualquer tentativa de expansão de direitos e cidadania às populações excluídas e marginalizadas. Conforme analisado por Leonardo Nascimento (2015), os discursos estão conectados, ligados e são possibilitados por relações socioculturais e ideológicas, por isso, não podemos analisá-los fora desses enquadramentos discursivos. Apesar da sexualidade ser normatizada e interditada pelo discurso religioso-fundamentalista, este “precisa se articular estrategicamente a outros discursos, que não são necessariamente coerentes entre si” (NASCIMENTO, 2015, p. 88; LOURO, 2009).
Conforme tenho argumentado, a educação pública, precisamente desde 2004, se tornou o alvo privilegiado dos ataques à democracia brasileira. Desta maneira, uma cisão está posta, de um lado, os educadores e educadoras defensores de uma expansão democrática, a partir da inclusão da diversidade no repertório pedagógico, (como o projeto de Lei 10.639/03, alterada pela Lei 11.645/08, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio) e, do outro, grupos sociais, defensores de uma histórica concepção de família,  moralidade e de um ideal de “nação”.
Como exemplo, temos o embate em torno da aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2011-2020. O mesmo só foi aprovado em 2014, isto é, com 3 anos de atraso, porque deputados conservadores se opuseram ao texto do inciso III do artigo 2º que deliberava sobre a “promoção da igualdade racial, regional, de gênero e orientação sexual”. Jair Bolsonaro (PP), Marco Feliciano (PSC-SP), Pastor Eurico (PSB-PE), defenderam a exclusão deste texto sob o argumento de o mesmo ser um ataque a ‘família tradicional’ a “moral e os bons costumes”. Por sua vez, Angelo Vanhoni (PT-PR), relator do PNE, Erika Kokay (PT-DF) e Jean Wyllys (PSOL-RJ), se colocaram em defesa do texto evocando argumentos favoráveis ao Estado democrático, de direito, igualitário e laico.
Assim sendo, a concepção de “ideologia de gênero” se popularizou no Brasil a partir de 2011, quando o STF equiparou as uniões homoafetivas ao casamento heterossexual. No mesmo período, o debate sobre o material didático do programa “Escola Sem Homofobia”, chamado vulgarmente de “kit gay”, fez com que a presidente Dilma Rousseff vetasse sua distribuição. (VITAL e LOPES, 2013), além disso, a presidente, em nome da governabilidade, declarou que o seu governo “ não faria propaganda de opção sexual” e acabou cedendo à presidência da Comissão de Direitos Humanos ao deputado e pastor  Marco Feliciano, que se tornou uma voz contrária ao Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT, em 2013, mesmo ano que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução, de autoria do ministro Joaquim Barbosa, determinando os cartórios do país a celebrar o casamento civil e converter a união estável homoafetiva em casamento.
Mediante o exposto, pode-se localizar a emergência dessa expressão fantasmática que assombra a educação pública e alimenta um pânico moral em nossa sociedade. Expressão sociológica, o “pânico moral” pode ser definido como “o consenso, partilhado por um número substancial de membros de uma sociedade, de que determinada categoria de indivíduos ameaça a sociedade e a ordem moral” (MISKOLCI, 2007, p. 112). Assim, a atuação dos ideólogos e militantes do ESP se dá em três frentes: religião, política e a educação sexual. No primeiro, acusam a escola, e principalmente os professores das humanidades como agentes do “ateísmo”, e com isso, algumas iniciativas de legisladores buscam reinserir na escola pública o ensino confessional e impor a leitura da Bíblia. Um exemplo é o vereador “Pastor Jorge” (PSC) que, em Roraima (2017), apresentou um projeto que obrigava a leitura da Bíblia antes do início das aulas nas escolas de Boa Vista, capital. Recentemente, o Deputado Pastor Sargento Isidório (AVANTE-BA) protocolou um projeto com o tema: “declarar a Bíblia Sagrada como patrimônio nacional, cultural e imaterial do Brasil”; em sua justificativa, ele alega que por ser “a palavra de Deus”, a mesma o ajudou a deixar de ser homossexual. Em outras regiões do país, tem ocorrido ações similares. Em 05 de junho de 2017, algumas escolas de Porto Seguro, Bahia, após a aprovação de um decreto elaborado pela Câmara de Vereadores do Município, passaram a ter leituras diárias da Bíblia. O projeto foi formulado pelo vereador Kempes Rosa, o mesmo alegou que a leitura diária de trechos bíblicos “transmite valores importantes para a formação do cidadão” (G1, 2017).
No segundo tema, há uma vigilância e ataque a tudo que possa ser visto ou entendido como um projeto de “esquerda” de modo que, toda e qualquer discussão com viés crítico das relações de produção de riquezas, de consumo, proteção ambiental, acesso e expansão da cidadania, são alvo de suspeição e até de ações jurídicas, limitando e  cerceando a atuação pedagógica. Nesse front, o ensino de História tem sido alvo de ataques ao abordar temas como Nazismo, Revolução Russa, escravidão e ditadura militar. Numa tentativa clara de dobrar e obliterar esses acontecimentos históricos à uma perspectiva revisionista (MELO, 2014; SENA JÚNIOR et al, 2017) que justifica as violências e arbitrariedades praticadas pelos grupos dominantes que atuaram nesses acontecimentos, como a Negação do Holocausto;  justificativa da escravidão e a mais cara a nossa memória recente, dizer que a Ditadura Militar foi uma ‘ditabranda’ etc. E, por fim, temos a maçã de ouro do ESP que é a educação sexual, em que toda discussão sobre identidade e igualdade de gênero e orientação sexual são entendidas como ações dos agentes de um suposto “marxismo cultural”.
Assim, em Roraima, o prefeito de Ariquemes, no Vale do Jamari, no ano de 2017, mandou retirar “todas as páginas de livros didáticos que falassem ou mostrassem diversidade sexual, casamento homossexual ou uso de preservativos (CARLOS, 2017), colocando em suspeição todo um longo e complexo processo pedagógico de produção desse conteúdo. Como apontara Foucault (1988, p. 114), nas relações de poder, a sexualidade não é o elemento mais rígido, porém, é um dos mais maleáveis, que permite ser instrumentalizado e utilizado no maior número de manobras políticas, sociais e religiosas. Logo, uma narrativa que fala de ‘proteger’ nossas crianças de uma suposta ameaça ‘marxista e gayzista´, acaba arregimentando muitos adeptos, que ficam presos na superfície desse discurso.

Entretanto, precisamos reconhecer que o espectro político e religioso não é uníssono como possa parecer. Essa fantasia dialética acionada pelos ativistas do ESP que coloca religiosos de um lado e feministas e LGBTs de outro, camufla que ambos os segmentos são multifacetados. Um exemplo é o surgimento das igrejas inclusivas no Brasil, desde 2002 (SILVA, 2017 e 2018), assim como o movimento diversidade católica e as reflexões de teólogas feministas/católicas como a brasileira Ivone Gebara e a espanhola Teresa Focardes sobre direito reprodutivo e igualdade de gênero.
Como combater a ‘ideologia de gênero’?
Judith Butler (DEMETRI, 2019) é enfática ao defender que é preciso combatermos essa tentativa reacionária de silenciamento. Mas, mediante a esse cenário tenso, volátil e político, como podemos frear essa tentativa de censura escolar enviesada pelo pânico moral?
1º É preciso mostrar que discutir gênero e sexualidade na escola não é sinônimo de ensinar sexo à crianças. Pois a educação sexual é uma arma potente no combate a violência sexual e de gênero no espaço familiar, conforme matérias publicadas na Folha de Londrina (2017), Gazeta Online (2018). Inclusive, quando o assunto é abordado com clareza, boa parte da sociedade brasileira é favorável à educação sexual no âmbito escolar (G1, 2019).
2º Indagar o que seria “abuso da liberdade de ensinar”?  É desmontar essa narrativa a partir de um diálogo claro e aberto com a comunidade e mostrar que esse slogan é anticientífico. Assim, chamar os pais para participar da vida de seus filhos, ainda é a melhor maneira de afastar esse fantasma.
3º Precisamos defender e mostrar que a laicidade é um valor democrático e que a tentativa de cristianização compulsória, é equivocada. Exemplos históricos não faltam!
Com efeito, o ESP tem obtido êxito na medida em que conseguiu convencer boa parte da opinião pública de que os professores - até então vistos como parte da solução do combate à desigualdade social a partir da educação pública-, são algozes, agentes ‘infiltrados’ que perturbam a ordem social. Além do desprestígio social que ronda nossa profissão, mães e pais que nunca foram em reuniões escolares, são instrumentalizados a fiscalizar e interrogar diretores, professores e coordenadores sobre o tipo de conteúdo que será ministrado.
O que pode parecer uma preocupação legítima e atenta dos pais à formação de seus filhos, em verdade, instaura um pânico social e limita a atuação docente que é precarizada. Por isso, não nos enganemos, os ideólogos do ESP não estão interessados numa pedagogia plural e emancipadora, pelo contrário, um dos seus objetivos é expandir uma educação estritamente tecnicista, apta ao mercado profissional. Mas, diferenciada entre os que devem e não devem participar de uma universidade pública (BARCA, 2017).
Referências
Natanael de Freitas Silva é doutorando em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPHR/UFRRJ/CAPES). É Graduado e Mestre em História pela mesma instituição. Também atua como professor/mediador no Projeto Praça da Ciência Itinerante (PCI/CECIERJ) ministrando cursos de formação e capacitação para docentes da educação básica. É Membro do LabQueer – Laboratório de estudos das relações de gênero, masculinidades e transgêneros/UFRRJ, coordenado pelo Prof. Dr. Fábio Henrique Lopes. Desenvolve pesquisa sobre masculinidades e relações de gênero no Brasil dos anos 1960-70 com a tese intitulada: Masculinidades disparatadas: Secos e Molhados e Dzi Croquettes. E-mail:natanaelfreitass@gmail.com
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12 comentários:

  1. Boa tarde, parabéns pela abordagem de um tema tão atual e que vem dificultando ainda mais a atuação dos professores na rede de ensino.
    Sabemos que depois que a ESP passou a ser cogitada, mais que nunca, alguns temas passaram a se tornar mais delicados de serem abordados em sala de aula, temas referentes a gênero, como foi apontado, temas políticos como as ditaduras militares na Amélica latina, Revoluções Socialistas que fizeram parte do cenário do século XX e entre outras. Com base na sua pesquisa, quais formas de combate o professor pode adotar para ir contra esse impasse referente ao debate de alguns temas e também a intimidação de ter sua imagem divulgada nas redes sociais, como frequentemente tem acontecido ?
    Ismael Lacerda Brasileiro.

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    1. Olá, Ismael,
      agradeço pela pertinente questão.

      Essa é uma das principais questões que tenho enfrentado em minha prática docente e em outras mesas de discussão sobre o tema "gênero e sexualidade". A princípio, penso que ao invés de iniciarmos um debate dizendo que vamos abordar a perspectiva de gênero, pois as vezes pode ter alguma rejeição, penso que o caminho profícuo é abordarmos a dinâmica das relações entre homens e mulheres no tempo, levantar questões sobre o papel de cada um numa dada sociedade, indagar sobre a atuação e limites de cada uma dessas identidades no espaço público e privado. Um caminho possível é recorrer de questões contemporâneas para questões no tempo passado. O que eu já fiz foi discutir masculinidade, no ensino médio, a partir da imagem de jogadores de futebol em diferentes momentos como nos anos 1970, vide o Garrincha, e atletas que são ícones de moda como Cristiano Ronaldo e Neymar. Isso permite que o público discente comece a indagar e reconhecer as múltiplas formas de ser homem. Isso vale para pensar feminilidade, como os ícones de moda feminina dos anos 1950 e na atualidade. Assim, podemos atender uma demanda que a própria escola e/ou os alunos nos interpelam. E no nível institucional, cabe ter o suporte da coordenação e apoio da direção escolar, caso contrário, infelizmente, há movimentos que tentam censurar nossa atividade docente. Pode-se ainda recorrer ao grupo dos professores contra o ESP, que oferece consultoria e indica caminhos para preservar nossa liberdade de cátedra.

      Natanael de Freitas Silva

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  2. Excelente e pertinente texto! Entender de onde surgiram a ESP e a "ideologia de gênero" é importante para compreender seus ideais e prerrogativas, e assim criar mecanismos para combate-las.
    Sobre esse tema, meu questionamento é: como agir e ter esperança de melhora em um contexto onde os professores são tão mal vistos e que a educação não é valorizada?

    Isabelly Pietrzaki Pereira

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    1. Bom dia, Isabelly,
      Então, essa é uma qeqstão se muma resposta definida. No entanto, acredito que apostar e fortalecer candidaturas que proirizam a educação, vide o governador do Maranhão, Flávio Dino, que tem focado em políticas públicas para a educaçaõ do seu Estado, nos dá um alento e esperança de que nem tudo está perdido. Por fim, quando é possível, penso que professores, cordenadores, direção escolar, os pais e os estudantes, aqueles que ainda não foram cooptados por essa narrativa do ESP, precisam dialogar, entender o papel da educação pública na formação cidadã.

      Atenciosamente,
      Natanael de Freitas Silva

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  3. Natanael de Freitas Silva,
    Uma ótima pedida de leitura, atual e essencial em tempos nebulosos. A Escola sem Partido é uma verdadeira contradição em si mesmo. É uma doutrina de cerceamento, liberdade e atentado aos direitos do cidadão, ratificados em nossa Constituição, querendo censurar outras ideologias, isto é, doutrinas – plurais e toleráveis na sociedade. Não há dúvidas, de que parte dos agentes públicos (as centenas de representantes políticos eleitos pelas bancadas ideológicas do bolsonarismo e da bíblia, por exemplo), aproximam-se de seus objetivos de violar a liberdade de expressão e opinião.
    O professor tem receio as temáticas de gênero, meio ambiente, história política (os regimes ditatoriais e totalitários), o que tornam as novas gerações contaminadas por preconceitos e reprodução dos discursos que tais agentes políticos conservadores desejam e almejam. Se estamos atrasados 50 anos em qualidade de educação, bem como a valorização dos seus profissionais e a falta de autonomia, neste momento, já é muito visível nas salas de aulas: a sensação de perseguição e de caças a bruxas, exemplos mencionados no seu artigo. Assim, também percebe-se os mecanismos de combate, essenciais e importantes. Isto é, perdemos mais 50 anos. A percepção é de viver numa sociedade do século XIX, não mais nem sequer no XX – vide a exaltação de períodos de exceção, as violências aos negros e as minorias (indígenas e LGBTs).
    A partir deste argumento indago-lhe: Num ambiente de ausência de autonomia – aqui no meu estado metade da avaliação já não está nas mãos do professor, mais da Secretaria de Educação. O que fazer? E como driblar a fiscalização dos pais – imagine encontrar 100% de uma sala de aula com alunos de famílias conservadores, não aceitando qualquer argumento com relação aos conteúdos de gêneros, ou mesmo de reprodução dos discursos dos mais conservadores – os religiosos?
    As dicas de combates são boas, mas nem sempre efetivas pelo “desconhecimento” dos direitos constitucionais (CF, LDB, BNCC, PPP, etc.) daqueles que fiscalizam e perseguem.

    Jadson da Silva Bernardo.

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    1. Boa noite, Jadson,
      Agradeço pela sua questão.
      De fato, esse cenário que você apresenta, é limitador. O que fazer diante desse cercemanto da liberdade de cátedra tem sido uma das questões que assombram nossa comunidade docente praticamente em todo o território. Eu falo a partir de um lugar específico, atuo na baixada, no Estado do Rio, em que essa tensão e censura, tem marcas e níveis distintos de acordo com cada município. No entanto, reconheço que quando se tem uma normativa advinda de uma secretária da educação, aí a margem de manobra é reduzida. Num cenário em que a autonomia, conforme você afirma, é praticamente nula, temos um Estado autorário e no seu corolário, totalitário. Neste caso, não temos uma resposta pronta. Todavia, a fragilidade desse projeto do ESP tem sido desmascarada, o que me dá uma esperança de que isso seja abortado em algum momento. No mais, como diz Foucualt, a batalha continua. Que possamos resistir e existir.

      Atenciosamente,
      Natanael de Freitas Silva

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  4. Olá, ótimo texto!
    A minha pergunta é: há algo mais que possamos fazer em relação a essa limitação da atuação dos professores? Pois estes são fundamentais tanto na formação técnica quanto na formação política dos alunos. Sem a liberdade de discutir temas mais delicados formaremos robôs. Formaremos pessoas que aceitarão de tudo.
    Att. Nicole Barbosa Goto

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    1. Boa noite, Nicole,
      essa é um questão que requer uma ação conjunta entre docentes, diretores, equipe pedagógica e principalmente a inclusão dos pais, dos que quiserem, no cotidiano escolar. É preciso mostrar, o que não é fácil, que a escola é um lugar para somar junto com as famílias, é jogar claro. Isso tende a diminuir essa rejeição dos pais a temas demonizados pelos militantes do Escola Sem partido, por exemplo.

      Atenciosamente,
      Natanael de Freitas Silva

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  5. Boa noite, belo e necessário trabalho. Agora, quais dicas você poderia dar para os professores no caso de serem questionados pelos pais ou responsáveis? Afinal, infelizmente seremos alvos de muitos ataques diante do cenário político. Grato Marlon Barcelos Ferreira

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  6. Boa noite, Marlon,
    geralmente, em casos que a família busca interrogar e intervir na atuação docente, é preciso se articular com outros professores, coordenador, direção e até mesmo pais e mães que não compram esse discurso do ESP. Isto é, não entrar num confronto sozinho. Uma outra saída é a escola, como um todo, tentar envolver os pais. É um trabalho pedagógico, ouvi-los e esclarecer as dúvidas, pois, infelizmente, muitos chegam 'armados' no discurso devido ao contato com essa narrativa em outros espaços, o que nos provoca um duplo trabalho, ter que explicar o que eles ouviram e depois inseri-los numa outra abordagem. Claro que estou falando de casos que os pais queiram ouvir e participar. Minha sugestão é que o diálogo, cada vez mais díficil, seja fomentado sempre que possível.
    Enfim, o desafio está posto, tenho esperança que esse projeto do ESP vai esmaecer em algum momento.
    Cordialmente

    Natanael de Freitas Silva

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