Luiza Helena Amorim Coelho Cavalcante e Samira Andréa Narcizo de Maria


OS DESAFIOS DE INCENTIVAR A PRODUÇÃO ACADÊMICA EM UM CURSO DE HISTÓRIA EAD: UM RELATO DE CASO  



Introdução
Segundo o último Censo da Educação Superior realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), de 2016 para 2017, o Brasil tem experimentado uma mudança de paradigmas no ensino superior. Neste período, o ensino presencial apresentou queda nas matrículas e a educação a distância (EaD) registrou um crescimento de 17,6%, somando atualmente quase 1,8 milhão de discentes, ou 21,2% do total de matriculados em todo o ensino superior.

Entre outras questões que possam ser discutidas diante dessa crescente demanda e que tragam ganhos positivos ou negativos para a sociedade, podemos destacar a preocupação em oferecer aos egressos um estímulo à pesquisa e à produção acadêmica, para além do trabalho de conclusão de curso. Posto que, a pesquisa do Inep apresenta um dado interessante que mostra que a maioria dos alunos na modalidade EaD são de licenciatura. Moran (2017) chama a atenção para a formação cognitiva dos discentes:

“Um dos maiores desafios na educação, principalmente na educação à distância, é estimular os alunos a serem pesquisadores, coautores e protagonistas, e não meramente executores de tarefas, que se sintam motivados para investigar, para ir além do senso comum, que explorem todo o potencial que as redes tecnológicas e humanas nos possibilitam”.

Vale ressaltar que os discentes que optam pela educação a distância possuem um perfil variado e amplo: uns recém egressos do ensino médio, alguns procurando continuar a formação e outros há muito tempo afastados dos estudos. Todos eles que, por motivos diversos (geralmente trabalho), não podem se engajar em um curso presencial, o que demanda maior tempo disponível e deslocamentos diários, bem como outros gastos. O fato é que lidamos com estudantes jovens, adultos e idosos, que possuem perspectivas e objetivos distintos. Muitos deles que tiveram pouco ou nenhum contato com a pesquisa acadêmica.

Segundo o diretor da UFC Virtual, Mauro Pequeno, em entrevista ao portal da Tribuna do Ceará, a universidade ainda enfrenta obstáculos para conseguir exercer bem o tripé Pesquisa-Ensino-Extensão.

“A dificuldade é porque os alunos estão distante para desenvolver um programa ou participarem de bolsas. As bolsas não chegam até eles em números suficientes, são sempre dadas a projetos que professores desenvolvem e o aluno está ali próximo. Essa é uma barreira que precisamos vencer. Já temos alunos, participando, mas precisamos de mais bolsas”.



A partir dessas reflexões iremos neste texto apresentar o relato de experiência da organização e realização do I Simpósio Eletrônico de História do Ceará (SIMEHISCE) organizado pelo curso de História EaD da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Faculdade Dom Aureliano Matos (FAFIDAM) e Universidade Aberta do Brasil (UAB),  por meio da Secretaria de Apoio às Tecnologias Educacionais (SATE). Uma realização da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).


A realização do I Simpósio Eletrônico de História do Ceará

Uma Comissão Científica do curso de História da UAB no estado do Ceará, formada por docentes e discentes, se propôs a organizar um evento para proporcionar aos alunos a experiência da pesquisa, da comunicação dos resultados e da interação entre pesquisadores através de um simpósio eletrônico. Fomos inspirados na experiência do Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História, organizado pelo Laboratório de Aprendizagem Histórica (LAPHIS) da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR). Mas simpósio eletrônico porquê? Pensando na especificidade de um curso a distância que é desenvolvido por mediação das novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), bem como dispersão espacial dos polos da UECE, decidimos fazer um evento virtual e descentralizado. Sendo assim, buscamos proporcionar aos alunos de polos diferentes e distantes a possibilidade de interação entre si, debatendo e dialogando sobre os trabalhos submetidos ao certame. Assim nasceu o I Simpósio Eletrônico de História do Ceará.

Pretendíamos ainda, através dessa ação, estimular a produção acadêmica dos estudantes, a fim de promover um amadurecimento do que poderia vir a ser de um objeto de pesquisa futuro. A ideia era também  fomentar a profusão de temas, abordagens e metodologias que existem em torno dos debates sobre História do Ceará, entre os alunos, professores e outros pesquisadores. Ao promover um evento online, além da oportunidade de contar com a participação de alunos da EaD, o objetivo principal era propiciar as discussões e trocas de experiências intelectuais com estudantes e pesquisadores de outras universidades. O Simpósio seguiu a abordagem proposta pelo projeto pedagógico do curso, de oferecer uma metodologia mais ativa e participativa de produção do conhecimento.

O evento ocorreu entre os dias 03 e 16 de dezembro de 2018, contando com dez conferências presenciais distribuídas pelos municípios do Ceará (onde há polos da UAB), bem como duas webconferências. Separamos os simpósios temáticos em quatro categorias: Relações de Poder, Memória e Oralidade, Cultura e Linguagens, Ensino de História e suas Tecnologias. Dentro desses eixos temáticos foram dispostos os resumos expandidos para serem debatidos pelos participantes.

Assim, tal qual os estudantes na modalidade de ensino a distância utilizam o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) para ter acesso a alguns conteúdos (textos, áudios e vídeos), participar de discussões e interagir com os outros alunos, professores e tutores, estabelecemos que um blog ( https://simehisce.wordpress.com/) serviria de suporte para o evento, já que abrimos inscrições para o público externo, que não dispõe de acesso ao AVA. Planejamos um blog de maneira que pudesse ser uma plataforma tanto para receber as comunicações como também informar sobre o evento, como prazos, normas e outras informações pertinentes. Pensamos na navegabilidade do blog e diante da possibilidade dos alunos não saberem se localizar dentro do blog ou como proceder durante o evento, produzimos e compartilhamos tutoriais através de imagens e vídeo. Criamos ainda uma página no Facebook a fim de dinamizar o compartilhamento de informações e divulgar o evento em grupos específicos, como o da Associação Nacional de História - Secção Ceará (ANPUH- CE).

Ainda dentro do quesito organização do Simpósio, estabelecemos critérios de participação para os comunicadores e leitores-ouvinte. Nossa preocupação era que os discentes se aprofundassem nas questões, tornando as discussões produtivas. Estruturamos as regras do evento e as formas de participação da seguinte maneira:

1. A partir do primeiro dia do evento, os leitores-ouvintes do simpósio puderam enviar perguntas, opiniões ou observações aos autores das comunicações; 2.As perguntas e observações foram redigidas na caixa de comentários, que ficava abaixo de cada texto publicado; 3. Os Comunicadores precisaram interagir com os participantes no blog, respondendo a pelo menos 60% das perguntas, para obter sua presença e certificação; 4.  Para obter presença de leitor-ouvinte, o participante deveria propor no mínimo quatro comentários pertinentes e bem elaborados durante o evento.

Considerações Finais
Organizar um evento a distância é proporcionalmente complexo a um evento presencial, embora haja algumas idiossincrasias. A logística para receber inscrições, distribuir os resumos expandidos para a Comissão Avaliadora, repassar os informes, alimentar o blog com as comunicações, entre outras tarefas requer dedicação e uma equipe de colaboradores dedicada e de preferência grande em número. A UECE dispõe de um Sistema de Gerenciamento de Eventos (Siseventos) que facilitou o armazenamento e organização das informações dos participantes, bem como a emissão de certificados. Contudo, o material humano é mesmo o fundamental. Contamos com 430 inscritos, o que para a organização foi uma surpresa. Ainda durante o evento, havia entre os integrantes da Organização, um sentimento de ansiedade que pairava no ar: será que estava tudo acontecendo nos conformes? Um comentário postado, no blog do evento, em um dos resumos expandidos chamou-nos a atenção. Confira a reprodução da imagem da “captura da tela”:



Figura 1
                                                              
      
O planejamento das disciplinas de História do Ceará I e História do Ceará II,   foi pensado de maneira a facilitar a participação dos discentes no Simpósio, posto que a avaliação da disciplina foi a elaboração de um Resumo Expandido. Isso justifica que a maioria dos inscritos no SIMEHISCE eram oriundos da FAFIDAM (301 entre alunos e professores), sendo 129 visitantes.


Figura 2

Contudo, tomado o polo de Fortaleza como amostragem, dos 47 alunos matriculados na disciplina de História do Ceará I, apenas oito inscreveram suas comunicações. Não podemos afirmar os motivos para um engajamento tão frágil, contudo é um número que nos chama a atenção.


                                                  Figura 3

Destacamos ainda que nem todos os inscritos tiveram uma participação satisfatória de acordo com os critérios de presença estabelecidos.


                                                   Figura 4

 A profa. Ms. Camila Silveira integrante da organização do Simpósio, atuou como tutora a distância da disciplina de História do Ceará II, ouviu dos alunos uma miríade de questões sobre o evento e escreveu um breve relato, o qual disponibilizamos a seguir. Ele nos ajudam a compreender as dificuldades dos alunos:

Observei os estudantes envolvidos com a mesma visando à apresentação das suas pesquisas no evento. Inclusive, alguns questionaram acerca do "povo de fora", ou seja, os não estudantes do curso de História em EaD, sugeriram até que fizesse o evento apenas entre os polos. Mas, sabemos que para o Qualis da CAPES, CNPq, é necessário que o evento seja aberto. E neste sentido, muitos falaram que foi bastante legal (esse foi o termo mais recorrente) ler os trabalhos dos colegas e opinar acerca dos mesmos.
Todavia, muitos questionaram os critérios avaliativos do evento, já que na disciplina de Ceará I ou II o resumo expandido foi bem avaliado pela professora e/ou professor. Deixamos claro as diretrizes de participação, mas não vi exposto os critérios avaliativos até receber os resumos para as avaliações. Talvez, para o eventual II Simpósio Eletrônico de História do Ceará seja necessário expor isso bem claro, conciso e em LETRAS DESTACADAS EM NEGRITO, FONTE VERMELHA, FUNDO AMARELO E TAMANHO ANORMAL (sic). Alguns e não foram poucos chegaram reclamando da comissão avaliativa do simpósio. Em contrapartida, os estudantes que comunicaram ficaram empolgados com o evento. Algumas até ficaram envergonhadas já que era a primeira vez que participavam de um evento como comunicadoras. Enfim, vale destacar que muitos elogiaram a web-conferência de abertura”.

Coletamos alguns dados quantitativos e qualitativos, em uma breve pesquisa que fizemos através do Google Formulários no período entre os dias 07 e oito de março, de 2019. Os formulários foram distribuídos por meio de redes sociais (grupos de WhatsApp dos alunos e página do Facebook do evento). Obtivemos 22 formulários respondidos. Para 72,7%, dos que responderam o questionário, foi uma ótima opção a programação do I Simpósio Eletrônico de História do Ceará ter sido realizado em sua maioria online. Com essa pequena amostragem, pudemos listar variadas respostas para as dificuldades dos alunos ao participarem do simpósio, dentre elas estão: elaboração do resumo expandido ser aceito pela comissão avaliadora, a interação durante o evento e a exposição do trabalho.


Figura 5

Mesmo com alguns problemas da organização do evento os participantes se mantiveram animados e participantes durante o evento, tivemos 1.700 comentários nos resumos expandidos. Quanto aos comunicadores pudemos perceber a dificuldade em elaborar textos científicos, como está exposto nos gráficos e na pesquisa. Os trabalhos reprovados demonstram alguns aspectos como a falta de habilidade tanto em elaborar as ideias de maneira clara e científica, mas também  a falta de conhecimento das normas de elaboração de textos acadêmicos (normas da Associação Nacional de Normas Técnicas - ABNT). O plágio também foi um problema detectado. Apesar dessas questões, os participantes se mostraram interessados em participar, em aprender e a comunicar. O evento foi uma pequena experiência, mas rica em significados. Esperamos ter despertado tanto nos ouvintes quanto nos comunicadores a vontade de dedicar-se a leituras e o desenvolvimento acadêmico.

Referências

Luiza Helena Amorim Coelho Cavalcante e Samira Samira Andréa Narcizo de Maria são graduandas em História pela FAFIDAM/UECE/UAB na modalidade a distância.

O artigo foi escrito sob orientação do prof. Ms. Thiago Nobre.


MORAN, José. Prefácio. In: MONTES, Marta Teixeira do Amaral. Aucopre: uma metodologia ativa para o trabalho didático nos fóruns de discussão.  Curitiba: Appris, 2017.

Educação a distância cresce 17,6% em 2017; maior salto desde 2008.
http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2018-09/educacao-distancia-cresce-176-em-2017-maior-salto-desde-2008, 2018.


WELMA, Jéssica. A vitória do ensino sobre a distância. http://tribunadoceara.uol.com.br/especiais/a-vitoria-do-ensino-sobre-a-distancia/

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