CHICO DO
AMAZONAS: UM ELO ENTRE O PASSADO E O PRESENTE, O EMPÍRICO E O ACADÊMICO
O presente texto trata da experiência que obtive
junto ao projeto “História de Pescador”, na qual fui pesquisadora de PIBIC, no
Instituto Federal do Amazonas Campus Avançado
Manacapuru, que a mesma na época ofertava um curso chamado Recursos
pesqueiros.
Ao ingressar no Instituto percebi que havia uma
lacuna no que concerne ao conhecimento da história de vida do pescador
artesanal. Também era notório como as pessoas não se preocupavam com essa
figura, tão importante para cidade. Manacapuru é a segunda em produção de
pescado no estado do Amazonas, ficando atrás apenas de Manaus, segundo dados do
Infopesca 2010.
As aulas do curso eram todas voltadas para as
técnicas teóricas de como manejar o pescado, como produzir o peixe, mas parecia
não haver espaço para ouvir o pescador, que possuí o conhecimento empírico, fui
percebendo que a teoria poderia ser bem diferente da prática e então resolvi fazer
um projeto que entrevistasse pescadores e eles contassem sobre suas vidas e
suas experiências no ramo da pesca promovendo uma interação entre os discentes
do curso e os pescadores artesanais de Manacapuru. Segundo Costa et al (2014)
Devido
ao estreito contato dos estudantes com os pescadores mais antigos, os mesmos
tendem a continuar preservando os saberes da região, saberes estes que devem
ser difundidos entre a comunidade local e utilizados em práticas e projetos
voltados à Educação Ambiental. (2014, p. 96).
Manter esses saberes locais vivos é de suma
importância para valorizar a cultura e a figura do pescador artesanal e seu
ofício. Para o projeto utilizamos a metodologia da história oral que segundo Esquinsani (2012),
[...]
Fazer o resgate dos fatos por meio da História Oral permitiu trazer vida para
dentro da narrativa, na tentativa de mostrar como um episódio inquietante é
capaz de manter aquecida a memória, deixando-a aguerrida e posicionada pela
retomada dos fatos para o registro da pesquisa. Enquanto existe vida existe
lembrança. E esta se estrutura em uma moldura composta por tantos e tão
variados materiais (sentimentos, sentidos, lugares sociais, projeções,
esquecimentos etc.). Reconstruir a memória daquele período também significou
revigorar caricaturas, contradições e conflitos presentes nas diversas
interpretações particulares dos sujeitos colaboradores, pois mesmo o relato
histórico narrado para a constituição do texto não perdeu seu estatuto de
apreensão intima e social, uma construção/representação da classe ou do grupo
ao qual cada sujeito acreditava pertencer.
Assim,
podemos destacar e evidenciar a confiabilidade do Método da História Oral para apreender
e promover o contato direto entre os sujeitos de pesquisa. O sujeito de pesquisa
escolhido foi o Sr. Chico do Amazonas, um senhor de 64 anos, pai de dois
filhos, viúvo, atualmente aposentado como pescador e tem como hobbie cantar, e
seus filhos também são músicos. Atualmente mora em Manacapuru, numa casa média
bem organizada, mobilhada com três quartos.
O encontro ocorreu dia 7 de dezembro de 2018, na
casa do Sr. Chico
Kamilly: boa
noite.
Chico: boa
noite!
Kamilly: meu nome
é Kamily esse aqui é o Jonathan nós somos alunos do curso recursos pesqueiros
do IFAM agente veio aqui fazer uma entrevista com o senhor.
Kamilly: É bom
pra começar vamos fazer umas perguntas básicas, é qual o seu nome completo e a
sua idade.
Chico: é
Francisco Raimundo Marques De Oliveira, o popular chico do Amazonas.
Chico: Bom, a
minha família, o meu pai ele morreu na pesca, eu nasci em beira de lago eu,
lago do maraca aqui dentro da sumaúma. (Interior do Amazonas)
Kamily: Uhum.
Chico: Então,
eu sou muito conhecido aí, eu pesquei muito, naquele tempo era à remo , não
tinha moto (motor) não tinha rabeta (um motor movido a gasolina), nada. Hoje em
dia todo mundo tem o seu rabeta né, e naquele tempo era um sacrifico só né,
tinha muito peixe mas não dava dinheiro quase né, e hoje você pega pouco peixe
e fatura uma grana boa.
Nesses dois trechos, podemos inferir o quanto o Sr.
Chico do Amazonas tem uma fala não muito convencional (fala típica caboquinha
do interior do amazonas) e o quanto a sua família já sofreu por conta da pesca,
ele não se sentiu em nenhum momento envergonhado, contou o quanto era
complicado pescar antigamente, mas que hoje em dia se tem
muitas facilidades até mesmo na questão financeira. Já aqui podemos registrar
informações importantes que não são bem especificadas no meio acadêmico, como o
tipo de conduções para pesca e como se dá o rendimento financeiro da mesma. Sr
Chico continua,
Chico: É, mas é
muito arriscada a pesca hoje, é ariscado porque à gente arrisca a vida né,
cobra, jacaré e se cair na água as piranhas devoram.
Kamilly: é
verdade.
Chico: e um
bicho feroz é a piranha né, então a vida do pescador ela é muito sofrida, pegar
chuva, sol e capim a gente vara tapagem pra ir pra lago e é sacrifício pra sustentar
a família.
Kamilly: e vocês
também ficam longe da família né.
Chico: eu me
aposentei já eu já tô aposentado, me aposentei pela pesca né.
Chico:
agricultura e pesca, meu pai era agricultor, meu pai tinha medo de raio ai o
raio matou ele no temporal, papai morreu com a canoa no temporal. E na pesca
ele morreu com a canoa cheia de peixe, ele tinha medo de raio aonde ele via um
temporal amarrava a canoa, e vamos deixar passar o tempo aqui que é para gente
viajar, ai o raio matou ele no temporal.
Kamilly: Mas o
senhor aprendeu a pescar com ele desde pequenininho?
Chico: Papai
levou a gente para andar, eu comecei a andar com o meu pai com uma idade de
oito anos, dez anos e um pouco com o meu pai, aí depois que eu já nasci vendo
ele pescar né, ai aprendi pescar, nasci em beira de lago, então eu sou pescador
mesmo.
Nesses relatos podemos observar duas coisas; o medo
que o seu chico tinha e até hoje tem de fatos que aconteceram na sua infância e
podem ocorrer até hoje, porém isso se torna muito importante pra nos ajudar a
entender melhor a importância da pesca como meio de sobrevivência naquele
tempo, por conta de tantos sacrifícios que tinha que se fazer, mas que era
necessário ele continuar ali até porque era o meio de renda para sua família. E
também como ele sofreu perdas e traumas através de uma infância difícil por
naquela época não existir segurança e nem estudos direcionados para isso, os
pescadores se arriscavam muito e ganhavam pouco em troca. Hoje o conhecimento
está muito mais fácil para todos fazendo com que diminua mais esses riscos e os
ribeiros tenham uma melhor condição de vida.
Chico: [...] então
é assim né, é sofrido, quem pensar que é fácil não é fácil, e naquele tempo é
que nem eu falei né, era a remo hoje não né, fica mais fácil porque vai de
motor né, rabeta, então a vida do pescador ela merece ter mais respeito mais
força, não tem força né, era para ter um assim, um filme do pescador, o
sofrimento do pescador isso não existe.
Neste relato o seu Chico demonstra o quanto há uma
necessidade de mostrar mais a sua história e colegas de profissão, ele se
demonstrava meio triste e revoltado, porque mesmo depois de anos de trabalho
ele percebe que há uma grande indiferença devido ao fato de o pescador ser
sempre minoria, então esse sentimento de inferioridade cerca todos eles até
hoje. Em todo momento Sr. Chico quis demonstrar o quanto eles devem ser
valorizados e também disse que nunca ninguém tinha ido escuta-lo e ficou muito
lisonjeado com a oportunidade.
A importância desse trabalho se classifica em duas
partes. A valorização da pesquisa como método de ensino, na qual me coloquei no
papel de pesquisadora, algo inédito para mim. Valorizar o pescador como uma peça
chave na sociedade, pois o mesmo coloca alimento na mesa de todos, de uma forma
muito democrática, pois o rico e o pobre tem acesso. Hoje como acadêmica, tenho
grandes ensinamentos em relação a pesca, por exemplo; Se eu pego uma malhadeira
(rede de pesca), existem vários tipos delas, grandes, médias e pequenas, e
podemos classificar também pela distância entre o nó da rede, dentre diversos
ensinamentos que podemos alcançar unindo a teoria e a prática, o teórico e o
empírico. Os conhecimentos se fundem e isso graças ao nossos pescadores que,
com a experiência na prática, descobriram várias técnicas em relação ao meio
aquático, hoje, grande parte do que sabemos em relação a pesca é graças a eles,
só que pessoas como eu (pesquisadores) colocam tudo isso na teoria e na
pesquisa, para ensinar outras pessoas e assim colaborar mais com os
ribeirinhos. Ouvir o pescador é um ato de rebeldia contra o opressor. Registrar
a sua voz é registrar a luta diária de quem dá a vida pelo o alimento do povo
amazonense.
Referências
Kamily Alves é acadêmica do Curso de Recursos
Pesqueiros do IFAM e bolsista no projeto PIBIC – História de Pescador, sob a
orientação do professor Esp. Laerte Pedroso de Paula Júnior.
ESQUINSANI,
Rosimar Serena Siqueira. Entre percursos, fontes e sujeitos: Pesquisa em
educação e uso da história oral. Santa Catarina: UPF, 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v38n1/ep530.pdf.
Acesso 05/04/2012.
COSTA,
P. G. ; RIVA, P.B. ; OBARA, ANA TIYOMI ; SUZUKI, H.I. ; TAKEMOTO, R.M. Saberes etnoecológicos dos pescadores
artesanais e alunos da planície alagável do alto rio Paraná. Revista Eletrônica
do Mestrado em Educação Ambiental , v. especial, p. 86-96, 2014.
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